sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Eu, a timidez e Eu mesmo



Não saberia dizer ao certo quando a timidez se instalou em minha vida, mas o fato que juntos, temos um longo relacionamento. Talvez na adolescência tenha sido o período que ela tenha se evidenciado mais, já que os hormônios, fazem "tudo" ficar exacerbado.
É justamente neste período que se iniciam as relações amorosas, a auto-afirmação e a busca por grupos. No entanto, a timidez é uma parceira ciumenta e sempre discute a relação, quando o assunto é liberdade.
Há quem diga que a timidez é fruto do orgulho, pois defende o Ego da exposição. Ainda que os tímidos, concordariam comigo, que na
cadeia, todos somos inocentes! E não há prisão maior que a Timidez! Uma grade entre o que pensamos e sentimos da liberdade de manifestação.
Essa separação gera um grave conflito entre o mundo interior e o exterior. Parecem duas realidades a parte e não estamos falando da série de tv: "under the dome" (Sob o Domo). Um presídio tem leis próprias e esporadicamente, a necessidade por melhores condições, nos exige rebeldia.
Muitos aqui conheceram muito bem esse "pequeno grande" detalhe da minha personalidade. Para alguns uma grande dificuldade, afinal não é fácil visitar um presídio. Embora seja uma "máscara social", acaba se confundindo com aquele que a veste. Apenas, agora em fevereiro, no Carnaval, máscaras são bem aceitas!
O fato é que no período de vida, que o mundo emerge e se exterioriza, o tímido vai na contra-mão: imerge e se interioriza.
Enquanto as festas acontecem ao lado, o tímido evita as aglomerações.
Enquanto os casais se formam, o tímido se insula "involuntariamente" na solidão.
Enquanto a praticidade dita a ordem, o tímido é subjetivo e emocional.
Enquanto o mundo fala e quer ser escutado, o tímido se cala e escuta.
Nunca fui um tímido padrão. Talvez porque embora vivesse com a timidez, eu nunca tenha a aceitado. Era como um relacionamento, que por saber que é desarmônico, não é assumido.
Vivi um tempo sozinho, mas nunca estive só, éramos sempre 3: Eu, a timidez e eu-mesmo. Viajei muito, conheci muitos grupos, ia em cinema, exposições, etc... Sempre observando e dando valor a todas as pessoas que por ventura cruzassem o caminho.
As vezes desconhecidos, outras pedestres anônimos, algumas que pulavam o alto muro e se aproximavam...
Nunca esqueci um rosto. Neste quesito, a memória dos tímidos se assemelha a dos elefantes. Alias também sorrimos e olhamos nos olhos, mas não recebemos um amendoim.
Lidar com o contraste e diferença, nem sempre é um processo fácil. "Aquilo que não aprendemos pelo amor, aprendemos pela dor". E como muitos outros adolescentes, ser diferente, nos faz transitar pela depressão. Acho que como todo processo de transformação, o casulo escuro e apertado é necessário.
Um tímido deprimido é como uma "Matrioska": um casulo dentro do outro. E assim como Buda, que fugindo do palácio se deparou com o sofrimento e despertou sua espiritualidade, também me reencontrei comigo mesmo, quando deparei com a dor. Uma reconciliação espontânea.
Dizem que "quando secamos a lágrima alheia, não temos tempo de chorar as nossas". E utilizando o melhor instrumento de um tímido: "ouvir", resolvi me aproximar da dor alheia. Fui trabalhar em uma
comunidade carente em Austin (Nova Iguaçu), passei a fazer visitas no hospital público Miguel Couto e estar com idosos em asilos. Confesso que tal movimento, não foi um ato de altruísmo, mas uma oportunidade de utilizar a observação silenciosa da timidez para aprendendo com a superação alheia, praticar a minha própria.
Nessa libertação, as palavras enfim começaram a sair. Não pela boca como gostaria, mas pelas mãos. A escrita foi a ponte que ligou meus dois mundos e me permitiu transitar entre eles. Posteriormente veio a arte trabalhando cada um dos sentidos até que finalmente e socialmente, viesse a me expressar mais livremente, ainda que com algumas restrições.
Sou um tímido em recuperação. Já sai dos "TA"- Tímidos Anônimos (o que é uma ironia, já que todo tímido se faz anonimo). Mas enfim respiro o equilíbrio. Ja nem tão para dentro, abro as asas e me lanço para fora.
Dando voz a todos os outros, que como eu, em maior ou menor grau, não conseguem ainda dizer, o que tento retratar, esperando assim, que familiares e amigos, tenham mais paciência e tolerância com nossa "dependência".
E como encerrariam todos os grupos anônimos: Só por hoje! Mais 24 horas!

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