sábado, 22 de agosto de 2015

Versos Sonolentos


Então fechei os olhos e dormi
Entreguei meu corpo e deixei a alma ir
Lentamente caía em devaneios
Calmamente me esvaia sem anseios

Liberto pelo mar aberto e lírico
Desperto no navegar onírico
Pleno e lento vagava
Sereno ao vento divagava

Sem medo, apego ou solidão
Sem peso, ego ou ingratidão
Um mundo certo e belo
Profundo em forte elo

Intenso sem estar tenso
Propenso, logo penso
Ativo sem ser altivo
Simples e emotivo

Uma casa de amor
Com asas e um torpor
De braços abertos e ternos despia os véus
Em laços eternos era coberto e rodopiava os céus

Até que enfim o tempo passou
E no fim, o momento cessou
Sem querer, corri e despertei
Então só sorri e espreguicei

O vento e a brisa


Então ela por mim passou

Por um instante parou
Fechei os olhos e quase a senti
Deixou algumas palavras
Mas breve, a vi partir
No silêncio do impossível entendi
Que a brisa não encontra o vento
E que o vento não está na brisa
E quanto mais tentam se encontrar
Mais distantes ficam no ar
Ambos se conformaram
E pelo espaço se dispersaram

Partida


Me leve embora daqui
Não sei para onde, nem para que lugar
Apenas me deixe ir
O corpo é pesado demais
A alma precisa de paz
A sensibilidade clama
A intensidade chama
A companhia que não ausenta
A compreensão que se apresenta
E converte toda dor 
E verte em ardor
A matéria que definitivamente não me representa
Deletéria e infinitamente não isenta
Duas partes em luta
Um aparte que refuta
Um acordo de união
Acordar dessa paixão
Que em combustão me queima 
Em um fogo que alastra
Em querer dar logo um basta
Para desnudar o que sou
Para me perpetuar em amor

Enigma do Tempo


O tempo não é linear, mas espiral
Os períodos não são pontuais, mas sobrepostos
Passado não é ontem

Futuro não é amanhã
Passado e futuro coexistem no mesmo instante
Antes mesmo de fazer, seu pensamento, já se manifestou
Logo, o que faz é passado
E aquilo que fez, resulta no seu futuro
A ausência de um passado é esquecimento
A ausência de um futuro é descrença
O sentido de presente é construído por duas partes
Uma que trouxe ele até o momento 
E outra que motiva e justifica suas ações e escolhas
Quando vivemos um presente sem suas partes
Esquecemos quem somos e descremos em quem ppderíamos ser
Consequentemente, esquecemos e descremos nos caminhos da vida
Vemos a existência através de extremos e dualidades
Quando tudo é unificado e interligado em equilíbrio
Tentando definir metades, acabamos metades do que poderíamos ser
Se deseja ser e estar inteiro
Comece aceitando ambos os lados
Para chegar ao seu próprio eixo
A resposta do tempo é a simples presença
A arte de estar presente em si mesmo

O Retrato de um beijo


Então seus olhos estranhos se reconheceram
Toda a certeza se confundiu e ruborizaram
A pele se arrepiou com um estranho frio no peito

E suas mãos se tocaram em pequenos choques elétricos
Magneticamente seus rostos se atraíram
Uma face deslizou lateralmente pela outra
Os olhos se fecharam, anulando todo excesso
Só havia os dois em um mundo sensorial a ser descoberto
Ainda que o contato fosse físico, a ânsia de se pertencerem era espiritual
Como se pudessem devorar um ao outro, trazendo o outro para dentro de si mesmo
E suas bocas se buscavam
A respiração ofegante de quem anseia
As línguas que valsejam e se enlaçam
Como se desejassem amarrar suas almas
O coração disparado e em alerta
Preparado para ser surpreendido e surpreender
Como um jogo de ação e reação
Os poros dilatados e a sensibilidade desperta
O tempo ao redor, agora, imóvel
O espaço, uma tela em branco
Sendo desenhada a cada novo gesto 
E naquele beijo, um velado acordo de esperança
Na qual assinaram com o próprio corpo

Microconto: Contato de 1º Grau


Era noite e ele estava sozinho. Quando foi surpreendido por aquela presença, que embora estranha, exercia uma forte atração e curiosidade. Conversaram, quase telepaticamente por horas, que pareceram segundos. E na mesma velocidade da luz que surgiu, logo desapareceu. Ela havia desconectado.

Fases do Luto



A escuridão desafia seus passos
Até o clarão que desfia seus laços
Como o aguardar da caverna
Ao guardar a vida que hiberna

Então a ausência que desfalca
Negação a carência da falta
De sentir a ida de um amor
Consentir a partida e a dor

Mas para dar uma parte nossa
Antes negociar um aparte que possa
Convencer o senhor do destino
A ceder o penhor e seu desatino

Mas perante o não parar da morte
Diante do desamparar da sorte
O grito das revoltas que não cala
O mundo e suas voltas que depara

Enfim o casulo da depressão
O fim recluso da opressão
De chorar até secar a fonte
De orar até novo horizonte

Assim a aceita(ção) que fecha um ciclo
Um sim que desfecha e recicla
O restabelecer da calma
E o renascer da alma

Do luto à luta

O retrato de um carinho


Entre a unha e a pele
Correm inúmeras sensações, perdições e paixões
No deslizar lento que entorpece
No carinho que dispersa qualquer pensamento
Na confiança que se entrega ao inesperado movimento das mãos
Na perda de controle voluntária
No vício passivo que só deseja
Sentir sua penugem desbravada, que acalenta e aninha em proteção...
No sonho puro e profano de rendição
O desenhar detalhado que desvenda o corpo do ser amado
E por sua vez, anseia também ser amado.

Frase - Borracha



"Tentei me apagar com uma borracha, mas fui criado à caneta
Atentei em desapegar dos borrados que a vida acha, mas creio que devo vir de outro planeta" 

Ação e Reação



A dor que sente, também inflige
Como a centelha de um espelho
Vítima e algoz, por vezes, faces da mesma moeda
Roga compreensão, sem o esforço de compreender
Que a cegueira da aflição sentida, não enxerga quem faz sentir aflição
Em um ciclo viciado que rogando o próprio recomeço, finda outros começos pela prudência do fim
Enquanto fala sem ouvir, alguém ouve sem falar
Enquanto espera aceitar, alguém aceita esperar
Na arte de doar e receber, de perguntar e responder, o limite de um sendo a liberdade do outro...No (des)encontro entre querer e não ver diante de si o que se quer...De pedir, desde que nada lhe seja pedido...De chegar e se fazer presente apenas, quando a partida proclama a ausência criada...
Ninguém pode dar o que não tem, embora muitos queiram ter o que não podem dar.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Pesos e Medidas



Sempre me questionei, como artistas famosos, como Vincent Van Gogh ou Gaudi, hoje venerados e cujas obras, possuem valor inestimável, foram tão solitários, com dificuldades financeiras, vilipendiados e incompreendidos em seu tempo. Precisaram morrer para que as futuras gerações os notassem ou os reconhecessem. 
Van Gogh chegou a vender seus quadros em feiras e os parcos recursos que ganhava, muitas vezes, doava a seu irmão e amigo Theo, ainda que deixasse de comer. Já Gaudi era ridicularizado por suas obras, considerado extravagante e no fim da vida, praticamente devotado a construção da igreja Sagrada Família de Barcelona, que ficou inacabada, faleceu como um indigente. Estes são apenas dois de muitos exemplos de reconhecimento e valorização tardia no mundo das artes.
E se artistas com talentos notáveis, hoje consagrados, passaram por penúrias e sofrimentos comuns, quantos que estão ao nosso lado, no dia a dia, relegamos a desatenção de seus méritos?
O ser humano sempre busca líderes  e heróis a serem seguidos como exemplo, no entanto, diante deles, normalmente, não os percebem. Se atentam às grandes obras e esquecem de observar os detalhes. Afinal, mestres não são aqueles dispostos à grandes feitos, mas aqueles que conseguem ter respostas diferentes às pequenas e comuns situações diárias. 
Nesta busca, quase incessante, por uma solução externa e longínqua de nossa realidade, esquecemos daqueles que estão ao nosso lado. Que se esforçam e lutam, conquistando pequenas realizações e , muitas vezes, fracassando na busca por elas. 
Vivemos um período, que a felicidade é a espera de ações bem sucedidas, sem ponderar, que a felicidade deveria ser a causa pela qual lutamos, independente do resultado. Como um meio, não um fim.
Somos únicos, não pelo talento ou a falta dele, pelas vitórias ou derrotas, que nos façam reconhecidos...Somos diferentes pelos pequenos passos que damos e que apenas no fim, teremos a exata noção do longo caminho sinuoso percorrido.
Que possamos valorizar, aprender e ouvir mais cada pessoa que cruzar o nosso caminho. Sem distinção ou expectativas, que super ou sub valorizem o papel que representam em nossas vidas. Sejamos solidários e atenciosos uns com os outros, lançando sementes pelas mentes que formos convidados a estar próximos. 
Um dia especial não se define por um grande evento, mas fazer de cada momento, uma grande oportunidade. Não importa o que as pessoas façam, mas no fim, a importância que dá a elas a cada dia. Como diz a música: "Tudo que precisamos é amor" (Beatles)

domingo, 9 de agosto de 2015

Noite de Sábado



Um casal se beija no escuro
Uma mulher sozinha chora de amargura
Amigos brindam e crianças ainda acordadas brincam
Dois irmãos idosos com o olhar absorvido em uma tela
Uma senhora ociosa debruçada na janela
Almas errantes passeiam nas ruas
Namorados, diante da lua, renovam suas juras
Um bêbado deixado no chão duro
Um bebê prematuro à mãe é levado
O sonho se estende até o amanhecer 
Até que o domingo teime em aparecer

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Amizade em tempos modernos


Cogitam, digitam e aguardam
As surpresas de se sentirem presos
À magia de teclas e entre telas
De um momento que se torna constante

Em um pensamento além do distante
Toma forma e absorve
Retoma, reforma e resolve
A virtualidade em realidade
A descrença em presença
De um querer bem, mesmo ao viver sem

A alquimia entre partes
A sintonia sem apartes
Sem corpo ou adorno
Sem toque ou retoque

Uma amizade simples sim
Uma cumplicidade de se aceitarem assim

Bug do Milênio


Quando houve a mudança de milênio, aquela fatídica transição de 1999 para 2000, muito se especulou sobre um BUG, que paralisaria todos os computadores. E assim, como o mundo não acabou com a profecia maia de 2012, nada efetivamente aconteceu naquela virada...Assim pensava, até constatar que o meu tempo interno realmente parou...Se os vírus não afetaram os computadores, certamente, em mim, desregulou alguma coisa...
Passaram exatamente 15 anos (quase 16) e o fato que ainda me traio, acreditando que 2000 foi no "ano passado". Todos os filmes daquele período, pareço ter assistido ontem. As pessoas envelheceram, mudaram, casaram, tiveram filhos e de alguma forma, em mim, preservaram os mesmos traços de então...
Achava que poderia ser um problema "técnico" particular até receber a informação de outras fontes e gerações, que também se sentiam assim. E como explicar essa dificuldade de processamento (pelo menos para mim e alguns)?
O milênio foi a transição e o alastramento da internet. Quase como a transição da energia gerada por manivelas ao combustível e vapor.
Já existia um embrião dessa tecnologia que aí está, mas foi justamente a mudança definitiva para romper as distâncias que faltavam, a (hiper e inter)atividade entre tudo e todos, o abandono de disquetes, cabos e telefones por nuvens, wi-fi e redes sociais,...
A velocidade acelerada e quantidade imensa de informação passada, presente e futura, absorvendo e imergindo o tempo, o conhecimento que se tem sobre si mesmo e o mundo e a eventual perda de percepção dos detalhes ao tentar dar vasão e conseguir responder a todos os apelos pessoais e profissionais, que passaram a chegar em todos os lugares que se vá. Nem o corpo dorme mais, uma parte fica sempre sobre-alerta de ser chamada, afinal para meios eletrônicos, não existe noite, madrugada,...
Se em 1999, a máquina "virtual" foi inserida na vida das pessoas a partir de 2000, as pessoas passariam a se misturar e fazer parte das máquinas...
Já que não somos máquinas, como ajustar e regular nosso biorritmo, que consciente ou não, continua em atividade constante e tenta desumanamente acompanhar a tecnologia, a qual jamais será capaz em toda sua extensão?
Eliminar esse vírus mental, requer uma desaceleração que permita contextualizar e separar...Desconectar e particionar os pensamentos..Talvez por isso, a meditação nunca esteve tão em voga... Porque diferente de um celular, que deixamos carregando a bateria para continuar, precisamos esvaziar a nossa para prosseguir e pontuar as situações.
Assim, talvez, 2000 pareça realmente um ano distante, através do qual muitas histórias nos trouxeram até esse exato instante. E enfim possamos assim atualizar nosso sistema operacional interior...

Colos


Ciclos de proteção e envolvimento
Do ventre para o colo da mãe
Crianças ninadas pelas avós e suas histórias
Adolescentes se admiram e nas diferenças não se sentem sós
Adultos reforçam laços, confidenciam verdades, pelo dia, divididas
E no braço da morte, a entrega derradeira até o recomeço

O colo que temos ou que nos falta
Na espera de receber um mero cafuné
Ninguém é pequeno ou grande demais
No colo, somos todos iguais