domingo, 8 de setembro de 2019

Romaria


Por muito tempo caminhei no escuro até que meus olhos se acostumassem a ele e minha cegueira conseguisse distinguir sombras. Não tive uma mão para sair dele e talvez fosse necessário ser assim. Precisava descobrir uma luz própria. Hoje, vaga-lume.
Por muito tempo fui imaterial, quase não tinha corpo, nem voz,... uma existência fantasma, mas que não atravessava paredes. Fui invisível, ainda que visse tudo. Era tão abstrato, que precisei do abstrato para existir. Virei arte. Emoldurada na parede. Minha falta de sentido, fez sentido para alguns que passavam, ressignificando a pessoa que, agora, via no espelho trincado.
Por muito tempo estive só em minha inabilidade social. Alguns traumas passados talvez possam perdoar minhas limitações. Um momento quebrado, me fragmentou. Queria estar perto, quando todos sentiam que deveriam ir. Queria presença, mas só conseguia partir. Me partir. Estreitando meus laços com a solidão. E a solidão é uma companheira possessiva e ciumenta. Você chama alguém e ela afasta. Você diz A e ela faz que entendam B. Você responde e ela faz que tenham dúvidas. Você abraça e ela empurra. Você pássaro e ela gaiola. Uma beleza piando para um mundo logo ali, trancado! Acesso negado!
Por muito tempo pensei, senti... tinha todo o tempo do mundo... cada segundo era uma eternidade. Não ter tempo é privilégio de quem tem distrações. Eu só tinha tração, me arrastava em minhas deficiências. Acreditando ser uma ciência! Formulava teorias, hipóteses e hipotenusas e como olhar de Medusa, acabava paralisado, petrificado. Ser rígido para quem olhava.
Hoje sou lido, ora aceso, ora apagado. Ora riso, ora enxurrada. Ora brando, ora pancada. Ora de pé e em outra ajoelhado. Rezando aos céus...rogando aos seus... compreensão.

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