terça-feira, 13 de outubro de 2015

Desventuras afetivas de um tímido



Muitas são as áreas que um tímido apresenta dificuldade de comunicação, mas nenhuma é tão crítica quanto a afetiva. Talvez pelo fato das emoções serem instintivas e o tímido, ao invés, de deixar fluir o que sente, racionalize! Como se as palavras se perdessem no caminho entre o cérebro e a boca. Logo, enquanto o pensamento diz: “Você é linda, a mulher da minha vida”, a boca fala: “Oi” (E não sai nada além disso).
Nesse processo, estou certo, que nenhuma personalidade, acumule tantas desventuras afetivas. Mas o que antes era um “drama”, se torna uma comédia. Aliás, é uma linha tênue entre os dois estilos. Tudo está na forma, como a história é contada. Logo, melhor do que qualquer teoria, vamos as vivências!
Uma criança deveria saber que teria problemas de relacionamentos, quando precisou entrar em um armário escuro para dar o primeiro beijo. Está certo que era um beijo lúdico, sem malícia, mas esconder-se já era um forte indicio que seus próximos passos não seriam tão fáceis nesta seara.
A amiga DELA falou com um amigo DELE que estava interessada nele. (Nenhuma situação é mais favorável para timidez quando os fatos, assumem a iniciativa por ele). Ele falou para o amigo, que disse para a amiga, que chegou a ELA, que ELE também gostava dela. Nesta troca de mensagens, quase um telefone sem fio, com os amigos, dizendo o que bem entendiam, trocaram os telefones. ELE, finalmente, ligou para ELA. Quase gaguejando e sem o menor jeito, convidou-a para sair e ela aceitou. ELA morava longe e ELE sem calcular o tempo devido, chegou quase 1 hora atrasado! Nesta época, não havia celular para avisar! (Sim, essa história é quase do outro milênio, embora a timidez seja sempre atual). Mas ELA aguardou e ELE quando a viu, se deparou com um rosto furioso pelo atraso. Se tudo já era difícil, nada como uma mulher brava para tornar as coisas mais complexas. ELE disfarçou e ELA esqueceu, afinal ambos tinham um objetivo comum, um ao outro. ELA o levou para um lugar onde todas as pessoas ao redor se beijavam (seria uma mensagem subliminar?). Na verdade, ele sabia que não havia dúvidas quanto ao que deveria ser feito, mas onde estavam as palavras? ELE pensava: “Você está linda” e ELE dizia: “Que dia bonito”. ELA era bastante paciente, quase uma monja budista! O dia passou quase todo. ELE já desanimado pela sua própria limitação, já buscando consolações internas para justificar que nada aconteceria, apesar da vontade. ELA propôs uma brincadeira com as mãos e brincando de “pegar e travar os dedos”, puxou-o para ELA e o beijou. Abençoada sejam as mulheres independentes, que vencem o machismo do mundo e posicionam-se sobre o que querem! Mas apesar do restante do dia ter sido especial, ELE certamente, ponderaria que tinha feito tudo errado e demoraria tanto a ligar outra vez, que ELA tomaria outro rumo.
Assim inicia a romaria da timidez, cujas perdas, acabam por ensinar a criar artifícios para driblar as situações.
Diz o dito popular: “Dois bicudos não se beijam”. De fato, dois tímidos também não se beijam! Dois tímidos se encontrarem, já é quase como ver um duende ou uma fada. Mas ponderando sobre um caso concreto, acreditemos que ambos lutaram para se superar, embora não tenha sido suficiente. Como tentar sair de casa, com a porta trancada e não saber onde deixou as chaves.
ELES se encontraram em um parque. Tudo era belo, aliás bem romântico. Mas se um tímido é bom, dois são melhores ainda. ELE se esforçou, perguntando quase que tudo sobre a vida DELA. Mas ela se limitava a dar respostas através de monossílabos (Sim! Dois! Gosto!). Não dava continuidade e não perguntava nada. Alguns silêncios constrangedores se colocaram entre os dois. E ele já havia esgotado quase todas as perguntas que recordava. Acho que nem Sherazade e suas 1001 histórias dariam conta de ajuda-los. Se despediram como se encontraram sem que nada houvesse acontecido. Um mês depois, ela estava namorando, mas tenho certeza, o namorado não era tímido.
E para não estender demais, nem tudo é impossibilidade, mas as vezes, esbarram em pequenos detalhes desconcertantes. ELA não era tímida e a aproximação entre ambos foi facilitada por esse fato. ELE já no colo dela com alguma intimidade, recebe um beijo interminável. Está certo, que ele começou a sufocar, mas não queria ser indelicado e afastá-la. Já se conformava com a morte e com o fato de que o ar lhe faltava completamente.Pensou em bater 3 vezes no chão, como um lutador que desiste da luta, mas para sua sorte um policial disse que não podia beijar ali. (E ainda há pessoas que tem a coragem de dizer que policiais não fazem nada).
O cúmulo da timidez e suas desventuras é quando personifica um objeto inanimado como uma almofada e atribui nome a ela como o ator americano Tom Hanks no filme "O naufrago" e seu famoso amigo, a bola de vôlei, Wilson.Não que seja uma forma de praticar o que não consegue pessoalmente, mas uma certa identificação com o não reagir.
É verdade que “nada como o tempo”. Para suavizar e aparar nossas arestas. Nos ofertar recursos e instrumentos para vencer ou contornar nossas limitações. Aliás o tempo nos ensina também a não nos cobrarmos tanto, nem esperar tanto dos resultados. E nisso, acabamos deixando de ser um obstáculo e permitindo que as coisas “fluam” exatamente como devem ser. Entendemos que o medo de perder resulta na perda e que ainda que perca involuntariamente, mas vale a tentativa do que o eco de pensar “e se eu tivesse...”.
Talvez desnudando um tímido, como um taxidermista faria para estudo de uma espécie, ajude a compreender, que dentro dessa casca chamada corpo, muitas vezes, silenciosa e restritiva, existe um universo em ebulição. Rico em imaginação e fantasia, mas que eventualmente, tem dificuldade de transparecer para a realidade. Independente da área, se você convive com um tímido, não tema sua reação. Seu problema não é a proximidade, mas a falta dela.