domingo, 17 de fevereiro de 2019

O beijo que não aconteceu



Carlos Drummond: Se de todas as minhas vidas, pudesse ser o grande momento ideal. Viveria todas elas só para caber no breve instante de lhe beijar. Poderia? 

Clarice Lispector: Se beijo fosse pedido, só caberia resignação. Quem pergunta antes se pode beber o veneno que emudece? Renda-se sem entendimento, beijar com limites não é desejar.

Carlos Drummond: Mas eu lhe gosto e você me gosta desde tempos imemoriais! Por respeito à todos os beijos não dados, pergunto! Mas certo que se não o fizermos, morreremos no tempo. Primeiro nas linhas e depois nas palavras. 

(Silêncio)

Clarice Lispector: Ah Carlos! O tempo para mim é agora. Eternidade é instante, já que em um ano vivi todos os séculos de minha intensidade. Sou exagerada, louca e só me satisfaço assim! Preciso do sonho estéril e acordado de uma mocinha de 15 anos.

Carlos Drummond: Mas devemos ter cuidado com portas cerradas. Como saber se não está assim? Poderia esbarrar no que não buscava: escuridão! E nessa tentativa de amar apressadamente, descuidosos, tropeçarmos no que não queríamos saber. 

Clarice, impaciente, vira de costas e acende um cigarro, enquanto Drummond se senta, agora, voltado para o mar.

Um comentário:

  1. Maravilhoso! 😍
    É incrível como você capta a essência… Amei tanto quanto “Um Diálogo de Estilo”. ❤

    ResponderExcluir