NOTA: Em tempos que o amor anda tão
desacreditado. Onde tudo parece tão descartável, talvez seja válido relembrar
histórias permanentes, sólidas e que resgatem este sentimento. Plagiando o
poeta Vinícius de Moraes: "É preciso inventar de novo o amor"
Essa coletânea de textos é
baseada em histórias verídicas, que tive o prazer de testemunhar ao longo da
vida. Ainda que dê nomes fictícios, cores e nuances novas, a essência foi
preservada!
Histórias de Amor
- Parte 01 - A cura
Uma família aparentemente normal.
Cada qual com suas peculiaridades e isolados em si mesmos.
A mãe, Luiza, embora amante de
esoterismo e temas humanistas, mantinha-se um pouco alheia aos acontecimentos
de seu próprio lar. Ainda que seu amor
por todos fosse legítimo, suas teorias espiritualistas, não facilitavam que mergulhasse
na intimidade, normalmente pairando sobre as aparências.
O pai, Alberto, era disperso. Indubitavelmente,
amava sua esposa, mas nunca foi capaz de demonstrar seus sentimentos. Frustrado
profissionalmente por não ter seguido carreira militar, implementava de forma
quase compensatória, uma tirania doméstica, especialmente tendo os filhos, como
subordinados. Sempre se excedia em cobranças e exigências que justificava,
alegando estar construindo: disciplina e respeito. Nunca observou os talentos
individuais dos mesmos, sempre os conduzindo aos caminhos que considerava
"certos".
Tinham dois filhos: uma menina,
mais velha de 12 anos, chamada Ana e um jovem rapaz, com seus meros 8 anos,
Daniel.
Ana desde cedo, manifestava
vocação artística. Talentosa na arte de dançar e atuar, era extremamente
sensível em sua forma de expressão e ver a realidade. No entanto, sofria por
reprimir tudo isso, em função da vigilância e rigor paternal.
Daniel era muito jovem ainda para
perceber ou entender o que sentia. Mas mesmo involuntariamente, construía seus
passos a exemplo do próprio pai, que se vendo refletido, conferia uma velada
proteção e preferência, inclusive sendo permissivo com seus erros. Adorava atividades físicas,
histórias de guerra e especialmente guerrear com a irmã. Transformando
diferenças em implicâncias.
Embora todos vivessem juntos,
visivelmente eram desunidos e cada um do seu jeito, tentava disfarçar este
desencontro até que uma notícia abalaria e promoveria uma grande mudança: Luiza
foi diagnosticada com câncer.
Todos ficaram desolados, mas não
sabiam como reagir. Não havia intimidade ou cumplicidade para se apoiarem.
Todos pareciam petrificados.
Alberto por trás de toda aparente
dureza e resistência, se estilhaçou em mil pedaços por dentro. Mesmo não
racionalizando suas emoções, sentia na esposa, um equilíbrio para aquela
deficiente estrutura em que viviam. Já os irmãos, se ocuparam e nada disseram
sobre o assunto.
Luiza, ainda se recuperando do
choque e se adaptando a dor recém descoberta, repentinamente, despertou para a
situação que havia ao seu redor. Seu corpo parecia reflexo da sua família. Uma
ânsia se apoderou de seus pensamentos e uma forte vontade nasceu para lutar por
mudanças. Como se nada estivesse ocorrendo, matriculou-se em uma faculdade de
psicologia, inversamente ao que todos esperavam: prostração. Ela chegou com um
olhar vibrante e alegre, que sem qualquer explicação, contagiava e destruía
aquelas altas barreiras construídas ao longo do tempo entre eles. Beijou todos
os filhos, exemplificando um carinho que nunca foi capaz de mostrar.
Alberto, quase hipnotizado por
aquela nova mulher, deixou de lado seu espirito dominador e rendeu-se a devoção
a ela. Daquele dia em diante, passaria a buscá-la todos os dias e ouvir dela as
ínfimas conquistas rotineiras, sendo transformado por elas através de uma
sensação de realização e empatia até então desconhecida. Sua sensibilidade
agora aflorada, enfim, conseguiu enxergar os seus filhos e sua influência sobre
os mesmos. Seguindo o exemplo que passou
a acompanhar de perto, apesar da dificuldade, conseguiu se reaproximar deles.
No início , houve um
estranhamento natural de todos os lados, como se houvesse um acordo velado de
se (re) apresentarem e (re) conhecerem. (Re) encontrar uma imagem que há muito,
havia sido perdida. As poucas palavras diárias foram se transformando em
diálogos e agora percebiam uns aos outros.
E neste processo, Ana, acostumada
a uma postura severa, foi surpreendida por um pai que até então não conhecia.
Um pai que se interessava pelo que ela gostava, que não mais impunha, mas antes
ouvia e argumentava, deixando sempre o poder de decisão final a ela. Como algo
que muito esperava, emocionou-se diante dele, que já sem reservas a abraçou
como se fosse o primeiro abraço.
Alberto lembrou dos primeiros
dias de vida da filha e se deixou envolver por uma ternura inexplicável. Agora
era ele que chorava compulsivamente. O filho vendo aquela cena, mesmo sem
entender direito o que ocorria, apenas correu e os abraçou. Eram todos UM. A
mãe espiava de longe e realmente entendeu naquele instante, o sentido de
espiritualidade. Apesar da doença, ergueu os olhos ao alto e agradeceu tamanha
benção ou felicidade.
Os próximos meses não foram
fáceis. O quadro dela havia se agravado, requerendo muitos procedimentos e
intervenções. Mas todos se revezaram para amenizar aquele período. Todos se
tratavam juntos, expurgando quaisquer resquícios de dores emocionais que
pudessem ter adquirido pelo caminho.
Este momento conquistado, fazia
com que nenhum deles esmorecesse, prolongando o que parecia inevitável. Por
vezes, Luiza precisou ser carregada no colo pelo marido, devido a sua fraqueza
agora evidente, mas fazia questão de estar presente em tudo que considerava
importante. Um hábito se tornou decorrente naquele lar: todo dia, a
"nova" família, se reunia para narrar os acontecimentos particulares.
Foram 5 anos de luta incessante e
insistente desde a fatídica declaração da doença. Luiza conseguiu se formar e
durante a cerimônia, na qual recebeu o diploma em uma cadeira de rodas,
aplausos efusivos ecoaram de todos os lados por quem nela via, uma força e
coragem, quase sobrenaturais.
Faleceu alguns meses depois com
um sorriso em seu semblante, mas sua presença ali persistiria...pulsando como
coração da casa. Nunca mais houve um dia sequer, que Alberto e os filhos não
conversassem e se abraçassem. Nestes momentos, sempre aproveitavam para
reavivar a lembrança de Luiza, através de eventos que cada um particularmente
tinha passado. Perdurando e preservando viva a imagem da grande mulher cujo
amor a todos curou!