quinta-feira, 30 de abril de 2015

Barreiras de Passagem



Não há fortaleza nenhuma que seja tão impenetrável quanto o corpo humano.
Ainda que composto de células e tecidos frágeis, nenhuma dissecação é capaz de revelar o ser que o habita. A placidez com que transita, por vezes esconde marcas profundas, histórias, amores vividos, sonhos perdidos,...
Tudo que vislumbramos é uma parte ínfima, como a ponta de um iceberg, traduzido em gestos, jeitos, manias e comportamentos...
Se é difícil abrirmos nossa própria caixa de Pandora e enfrentar o vasto universo interior..
Como atravessar as defesas, muros e aparências que protegem o mundo alheio?
Trafegamos nas ruas, comumente indiferentes uns aos outros. Evitamos participar do que não guarda relação direta com a nossa vida, assim como, na antiguidade, julgaram que o Universo existia para contemplação da Terra.
Milhares de pessoas cruzando umas pelas outras e não observamos sequer um mero detalhe de alguém? Se nos cegamos voluntariamente para o mundo, como esperamos enxergar com clareza o nosso próprio quebra-cabeça de escolhas e decisões?
Se relacionar é mais do que criar laços. É atentar-se para o que cada pessoa representa e reflete em nossa intimidade. Tanto que podemos conviver diariamente com alguém, sem mesmo notar qualquer peculiaridade que o constitui.
Somos muitos em um e um em muitos. E nesse exercício diário de conhecer, vamos nos reconhecendo. A forma como nos manifestamos, demonstra exatamente como estamos.
Percebemos e somos percebidos, eis a chave mestra que liberta a alma. Uma vez aberta, apresenta o essencial.

domingo, 26 de abril de 2015

Parte III - A mulher: Os cabelos


Parte III - A mulher: Os cabelos

Cabelo escovado fio a fio
Jogado para o lado como um desafio
Preso, solto ou trançado com um laço
Liso, ondulado ou cacheado sem embaraço

Emoldura o rosto da mulher
E faz surtá-la quando está em pé
Cuidado como um tesouro
Exibido como um bem precioso

Curto, revela a nuca
Longo, faz dela a Musa
Balançando as madeixas em sua passagem
Lançando ao homem a deixa de sua imagem

Desenrolando com os dedos uma mecha
Faz parecer distração
Revelando seus segredos nesta brecha
O tecer das pontas em ação

Pintado, descolorido ou natural
Dedicado artificio sensual
Não importa como escolha usar
Aos admiradores só lhes cabe amar

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Parte II - A mulher: A boca


Na boca que se movimenta
Hipnose que ao homem tenta
No sorriso discreto
Ligeiramente indireto

Na minúcia de contrações
Que esconde o segredo de suas ações

Os lábios que conformam o batom
E formam a sutileza da voz e seu tom
Na mordida leve e breve distraída
Quando um desejo a faz atraída

Quando beija se apresenta e acalenta
Domina a mente em uma marca lenta

sábado, 18 de abril de 2015

Poesia Amassada


As vezes é tão difícil explicar
Aqueles dias que não se quer acordar
Constatar que tudo não passou de um sonho
E enfim, se permitir relaxar
Aceitar os fracassos sem pesar
E entender que mesmo olhando, nem todos vão enxergar
Que por trás de um corpo, sempre habita uma alma
Que tentando se fazer simples, tenta entender a própria complexidade
Nesses dias de lutos existenciais
Com vultos de dores presenciais
A realidade nos desperta e convida
Nos aperta e nos leva a rever a relação com a vida
Tem dias que uma parte de nós morre
Para que outra melhor nasça
Trazendo assim a compreensão que falta
a emoção que sente falta
Do que realmente somos

sábado, 11 de abril de 2015

Parte I - A mulher: Os pés


Pés femininos que delicados passam
Alentos de um movimento que transpassa
Em saltos ou descalços
Com olhares atentos no encalço

Seduzem silenciosos e sorrateiros
Conduzem a mulher em definição derradeira
Em um deslizar reluzente que canta
No desfilar imponente que encanta

Um detalhe revelado despercebido
A beleza secreta de um lado concedido
Viés de laços transcritos em rastros
Através de passos ritmados em compassos

A brandura de um caminhar
A postura que leve, leva a delirar
Um detalhe cujo entalhe, domina e silencia
O homem que perde o ar e a reverencia 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Um passe de mágica



Em tempos que a fantasia é confrontada com o racionalismo e os sonhos abandonados por viver cada dia como se  fosse o último, a modernidade iniciou uma caçada ao "era uma vez" e "foram felizes para sempre". Não há mais  príncipes e princesas, há até quem diga que prefere um lobo mau ou uma bruxa. 

Dentro da magia, há a surpresa e nos permitimos ser surpreendidos. Através dela, aceitamos perder o controle e nos tornamos receptivos a fluidez inesperada dos eventos. Sem ela, assumimos uma postura defensiva e muitas vezes pessimista frente as experiencias futuras. Na ânsia de nos cercamos de proteção, esperamos sempre o pior e abrimos mão da injeção eficaz de ânimo e disposição: a esperança.

Diante de um mágico, sabemos que é um jogo de ilusões e até que poderá sair um coelho da cartola, mas não confrontamos o porquê disso acontecer. O encantamento é o melhor olhar que podemos ter sobre a vida e não é uma visão, valorizando a ignorância, mas a arte de aceitar os fatos com leveza, liberdade e um pouco de imaginação.

Um detalhe importante e ignorado das fábulas românticas, que até o "grand finale", há uma série de renúncias, doações e entregas de ambas as partes do casal. A felicidade não é consolidada sem esforço e busca, porém apesar de todas as dificuldades, se acredita em algo além que inspira a crença e a luta.

A arte é uma expressão mágica que a humanidade encontrou de materializar os seus próprios sonhos, indo além do que pode tocar, entender, ver e sentir...
Sem ela, tudo seria um mero retrato de um momento. Um exemplo é o romantismo na literatura, reescrevendo a história, reproduzindo a beleza de outros períodos, que efetivamente nunca existiram. Como uma idade média,de palácios sensatos, de cavaleiros honrados, de camponesas na sacada que com um beijo aderiam a realeza...
Como as religiões, por sua vez, que de diferentes formas, buscaram um caminho de explicar o inexplicável, de se comunicar com o incomunicável... 
O fato de transformar um conhecimento, introduzindo um fator inusitado, não tira o mérito do mesmo. 

Um mundo sem fé ou contemplação seria uma vida de ceticismo, imediatismo e monotonia, na qual tudo é, exatamente como se vê. Deixe a magia entrar na sua alma, envolver sua consciência e enfeitar o caminho pelo qual passa. Talvez assim, ainda que não mude o seu entorno, mudará o entorno que existe dentro de você!

sábado, 4 de abril de 2015

Impressão Digital




Milhões de pessoas no mundo e ninguém tem as mesmas impressões digitais. 
Aliás os 5 dedos são distintos, nem entre eles o grafismo se repete, apesar de todos funcionarem conjuntamente.

Desde os restritos círculos de convivência da rotina à ampla e mundial rede social de internet, 
todas as informações estão interligadas, pensamentos e sentimentos se encontrando, dispersando,... 
E ali no meio, você, único e diferente de tudo que existe, exercitando a sua individualidade e buscando encontrar o seu espaço. 

Definindo o que representa e transformando... Senão o planeta, com certeza, a sua própria vida.

Assim como não vemos os vestígios gravados pelo nosso toque, mas deixamos nosso registro em todo movimento e interação. Ao viver impregnamos cada momento de nossa presença e revelamos uma mensagem invisível.

Se podemos materializar uma impressão digital através de reações químicas, o cérebro reproduz igual processo pelas lembranças, concretizando as experiências vividas e o que cada pessoa representa nas mesmas.

Saudades, mágoas, desejo, repulsa,... que marca tem registrado diariamente nos meios que decide estar?

Não rubrique seu caminho. A sua assinatura é um compromisso pelo qual se responsabiliza. 
Presente ou ausente, ela validará o que representa para alguém.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Amor de Pedra


Era uma vez...

Um camponês, mestiço e sem altivez
Congelado pelo feitiço da timidez
Quando caminhando com sua foice em riste
Cantarolava a solidão em notas tristes

Paralisado, via o mundo passar
Agora mudo, só havia pesar
Pensamentos de pedra
Monumento tomado pela hera

Até que uma nobre e destemida princesa
Sem traço esnobe e preferida da realeza
Na sua beira, descansa em devaneio
Sua bandeira ali lança, sem percebê-lo

Um brilho diferente vê brotar
E a terra pulsante faz sua emoção derramar
Reconhece uma vida dentro do aleijo
Emudece e se vira em um beijo

Salvo, vê sua prisão desintegrar
E novamente sente no pulmão o ar
Ela é sua primeira visão
Beleza verdadeira em comoção

Seguram fortemente as mãos
E simplesmente afirmam a comunhão
Alentos de cumplicidade
Plenos de felicidade

Redes Sociais



Nunca vi nas redes sociais um post: "Hoje estou triste", "O dia poderia ter sido melhor", ou ainda, "que caminho tomar?"
Vejo muitas certezas e uma felicidade eufórica, que ainda que partilhando a vida, nada se sabe sobre ela.
É sempre "a melhor festa", "a melhor viagem", "a melhor comida", "a família perfeita"...Não estou assim, fazendo uma apologia ao baixo astral, mas onde está a realidade dos fatos?
Aquela festa meia boca, a viagem para praia que o tempo estava nublado, aquele dia sem graça ou que a comida não estava tão boa assim?
Não estamos competindo uns com os outros para ver quem tem a melhor vida e sim caminhando juntos na mesma direção: alegrias, tristezas, saúde, doença, amor, separações,...
Vamos rir de nós mesmos e fazer com que momentos comuns sirvam de aprendizado e experiência. Sem exaltá-los ou rebaixá-los, apenas senti-los e demonstrá-los como são.
Talvez nesse momento além do carinho de "curtidas": "lindos","maravilhosos", "parabéns", também escutássemos: "também estou passando por isso", "posso ajudar?", "estou do seu lado", "bom conhecer mais sobre você". Enfim compartilharíamos a alma.
E então conhecidos, também poderiam se tornar amigos e perceberíamos que a balança da vida se equilibra no apoio uns dos outros. Sejamos menos "Face" e mais "Book".

Solidão de Passagem



Uma solidão diferente
Que anseia tornar o anonimo presente
Revelar as individualidades desconhecidas
De faces e vozes perdidas e não esquecidas

De olhares ainda estranhos
Que passam e transpassam invisiveis
Da relação profunda que poderia vir a ser
Se parasse um instante e conseguisse me ver

Nessa rotina acelerada
A retina quase parada
Apelo às palavras no zelo desta busca
De quem nela lesse mais que uma tela

Talvez neste momento, olhássemos para o dia
Compartilhassemos o pensamento de que o outro existia
Enfim aquela ausência pendente
Nos notaria e nos faria presentes

No surpreendente reconhecimento
Do porquê demoramos tanto neste movimento
Sofrimento dificil de explicar
Como a simplicidade de encontrar

O poeta



O poeta é um sonhador.
Os sonhos são vôos solitários, ainda que partilhados.
Logo o poeta  é um solitário, que partilha seus sonhos para que possa voar.

Eu e meus óculos



Depois de 25 anos juntos, decidimos consensualmente nos separarmos.
Nenhum divórcio é fácil. E muitas vezes os velhos hábitos me levaram ainda a procurá-lo em vão.
Foi aos 7 anos que nos conhecemos, ele me permitiu enxergar o mundo, que a principio parecia um tanto embaralhado.
Assim como eu, cada período de nossa existência juntos, ele assumiu diferentes estilos.
Sempre em mim, ao lado ou por perto, éramos inseparáveis.E devo a ele, tudo que a vida me permitiu ver ou viver. Sempre me sentia um tanto perdido sem ele e com o tempo, tudo em nossa rotina, passa fazer parte do que somos. Como uma extensão do próprio corpo!
Talvez não tenhamos a percepção correta da importância de cada coisa, até que tenhamos algum distanciamento para observar plenamente.
E hoje minha despedida é com gratidão. Um distanciamento amigável, talvez até um futuro, que nos reencontremos.
Repousado sobre a mesa, segue espelhando o entorno, agora com angulações diferentes da minha.
Dizem que o amor não prende, mas antes liberta. Logo seguimos livres, mas ainda nos amando!
E gradualmente começo a enxergar detalhes simples que nunca me foram permitidos antes: tomar um banho, deitar sem preocupações na cama e
no futuro ver o mar (Como muitos mineiros e tenho o sangue dos mesmos, tenho esse fascínio, ainda que mesmo morando próximo, entrava na água,
sem poder admirá-lo em sua imensidão, pois sentir e enxergar eram diametralmente opostos).
Talvez por alguns instantes, tenha compreendido a maravilha de enxergar. E plagiando uma grande mensageira Hellen Keller (defensora dos direitos femininos, cega e surda): "Nunca entendi ao perguntar como estava o dia, alguém responder-me: nada demais! Eu que sou cega, sinto a textura de uma arvore, a vibração de uma voz, as irregularidades do caminho que piso...E quem tudo vê, me responde: nada demais?"
Talvez o muito pareça pouco para quem sempre teve em abundância. Agora partilho o mundo que todos vêem. Que faça-se a luz.

Mutação Perpétua


Tudo está mudando, ainda que nada pareça mudar...

A velha árvore que grafou seu nome e da pessoa amada foi cortada e ambos encontraram outros amores.
A sorveteria situada em um casebre antigo derreteu em um imenso arranha-céu comercial.
Alguns amigos viraram lembranças conhecidas, enquanto desconhecidos se transformavam em amigos.
Os membros mais antigos da familia partiram e com eles as reuniões. A união pelo sangue se dispersou e multiplicou em encontros
de novas gerações.
A imagem no espelho não é a mesma, nem os traços de ideais de juventude permaneceram iguais.
Na casa antes tão ocupada, agora reside silêncios e a esperança de novos e recém nascidos moradores.
O mundo antes tão vazio agora parece cheio. Os ambientes que eram tão grandes, hoje definitivamente são pequenos. As distâncias que
pareciam tão longas estão tão próximas.
A felicidade antes buscada, hoje é exibida. Ainda que retratar um momento, seja mais importante do que vivê-lo.
As relações se globalizaram, embora os sentimentos estejam auto-centrados e omitidos.
As lembranças ainda são um caminho permanente, ainda que muitas vezes as narremos com cores e fatos que adicionamos ao longo de nossa
mutação.
Mesmo o que foi vivido se modifica de acordo com o nosso novo olhar sobre nós mesmos.
Mudar não é perder, mesmo que diante do novo, tentemos em vão, nos enraizar no que parecia seguro. Ame cada momento, cada pessoas e cada
oportunidade (ainda que sejam dificeis), pois a partir de cada um desses processos, resultará no que virar a ser.

A mulher e a natureza




A alma da natureza é feminina e reflete na mulher, cada traço perfeito da sua essência.
Das rosas esculpiram a pele e o intrínseco perfume
Da musica foi transcrita as notas da sensibilidade e o compasso melodioso que caminham.
Da terra, o ventre gerador, que fertiliza a humanidade
Das estrelas, o conhecimento transmitido por gerações, que ilumina aqueles que a cercam
Dos mares, as intensas emoções, que transbordam em um amor infinito e incondicional
Dos ventos, o olhar que tudo envolve e a alma liberta
Das montanhas, a liderança nata que se ergue imponente
Do fogo, a sedução e encanto, que aquece e rende qualquer fortaleza
Dos rios, a sinuosidade de uma inteligencia que irriga e interliga diferentes caminhos
Nos mistérios e delicadeza de cada rosto, reside uma mãe, uma amiga, uma irmã, uma namorada, uma esposa,
que presentes em cada vida, exprimem a manifestação suprema da divindade.

Força de Vontade



As dificuldades são as verdadeiras oportunidades de exercitar tudo aquilo que temos aprendido. Podemos ser vítimas, nos anular em lamúrias, sem aprender o valor de cada momento ou assumir a luta e como autor, ser responsável pela própria história. Muitas vezes, queremos o fogo, mas nos lastimamos por só ter galhos e pedras. Tudo é possível com uma faísca de vontade.

Desejo


Os corpos sedentos que se entrelaçam
Desnudos no desejo que ameaça
Nas bocas vigorosas que se caçam
Nas linguas que valsejam a musica que nao cala

No suor que escorre pelos poros
Na saliva que decorre da perda do decoro
Na chama que intensa corre ao serem amados
Nas vozes ofegantes que se juntam em coro

Nas mãos que juntas se percorrem
Na intimidade que timida é revelada
Na união cuja mistura é deflorada
No afago cujas ansias se encerrem

No suspiro que devolve a lucidez
Nos olhos emaranhados de placidez
A paixão enfim branda e saciada
Observa a luz da lua que entra pela sacada

Andar para sorrir


Quando a tristeza exaure a alma, nenhum remédio é melhor do que caminhar. Distraímos os olhos, observando os detalhes de cada pessoa anonima que passa ou de um lugar conhecido que a rotina não nos deixa admirar. Esvaímos os pensamentos, encaramos a realidade no justo tamanho que ela tem e abandonamos as ilusões em cada passo até que o cansaço do corpo faça a mente retornar ao lugar. Como uma prece silenciosa e contemplativa de re-união consigo mesmo e o universo que é convidado a estar.
O caminho de volta é um auto-resgate. Sem a poeira que nos levou a partir, recobramos os espaços em nós, antes ocupado por um peso desnecessário. Deixando o resto do trabalho a um banho, que tudo lava, leva e eleva, permitindo recomeçar.