quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A madrugada


Então o mundo adormece
E tudo parece silenciar
Os ouvidos dos corpos ensurdecem
Para que a alma possa voar

Enquanto a vida cala
O imperceptível se manifesta
Do "tic-tac" contínuo que fala
À luz que passa por uma fresta

Uma tosse vinda de qualquer lugar
O som de um carro solitário
A respiração que ousa se pronunciar
O breu que se ergue totalitário

Na madrugada vive a igualdade
Enquanto as diferenças repousam
Não há tempo para maldade
Só as esperanças pousam

O pássaro em um canto prenuncia
Os sonhos que logo findarão
O despertar promete um novo dia
E o tingir do céu em um clarão

Escrever para quê?


Porque escrevo o que ninguém lê?
Talvez com medo de me perder
Esquecer a voz que em mim fala
Nessa pouca amizade que não cala
Não é por valor ou admiração
Mas ai vai a dor da libertação 
De esquecer o corpo e o mundo
Abstrair deste adorno profundo
E me deixar afagar em linhas
Acalmar a idéia que desalinha
Até o desfecho de me ver só 
Na deixa que fecha um verso

Estigmas


Lá estavam eles...

Washington Brasil, quase submisso, mas que na vida cresceu com um "jeitinho". Hoje, emergente, evitava falar do seu passado, embora suas roupas extravagantes o denunciassem....

Harry United States, analisava tudo com um olhar superior e de quem quer ter a última palavra. Só escutava o que lhe interessava, se metia sem cerimônias nas conversas e naquelas que não gostava, se distraia e disfarçava atento à tela do celular de última geração.

George England, era mais conservador e reservado, sisudo e senhor de si. Seus trajes pareciam antiquados, mas se portava como um nobre. Ouvia tudo em silêncio, falava baixo e polidamente (impostando a voz), embora intimamente, considerava seus interlocutores muito aquém da honra de sua companhia.

Carlos Espanã, era espalhafatoso e tinha o sangue quente..Se exaltando com a mesma facilidade que se emocionava.
Era receptivo, mas interesseiro. Se auto-denominava um "bon vivant", embora só "vivant" bem, enquanto via vantagens pessoais. Sedutor, queria que os outros o vissem, como ele mesmo se via: irresistível.

No fim, ergueram as mãos e bateram as taças entusiasticamente...

Cada um brindou a si mesmo!

Há folhas...


Que vem tão calmas
Que as almas ventam

Geram redemoinhos em paz
Como pás de moinhos que giram

Exaspera o ventre
Entre esperas

Hora que não acaba
E caiba no agora

Farfalhar do momento
Pensamento que Faz falar

Aspira uma dança no ar
Ar que balança e Suspira

Tijolos


Tijolos de barro
São peças, mas ocas

Tijolos alinhados em paredes
Limitam, mas definem

Tijolos sobrepostos em muralhas
Protegem, mas aprisionam

Tijolos demolidos
Destroem, mas revelam

Tijolos em acabamento
Simplificam, mas decoram

Tijolos vermelhos
São terra, mas sangue e suor

Tijolos sozinhos
São tijolos, mas sonhos

Tijolos juntos
São tijolos em construção

Com senso

Aquilo que tento
Que penso poder
Posso sem perceber

Sou o que tenho 
Em excesso ou na falta
Mudo, enquanto tudo passa

Aquilo que sinto
Que anseio viver
Vivo mesmo sem ver

Sou o que sonho
Abstrato ou real
Assim nada mais é igual

Difiro, não firo
Pertenço, não tenso
Pretenso auferir

Sou o que somos
Quem lê ou escreve
Nas mesmas linhas se atreve

Regências


Desde os primórdios, os homens elegem líderes para guiá-los. Mais do que uma forma de organização social, deposita sobre certos indivíduos a responsabilidade de administrarem a si mesmos.
Por séculos, a Monarquia concedeu um privilégio hereditário e inquestionável ao Suserano. Antes de ser visto como um ditador, era um "protetor do reino". Não importava quantas atrocidades cometesse, os homens precisavam de um líder, alguém a seguir de olhos fechados e que desse sentido às suas frágeis vidas.

O tempo passou, as Monarquias ruíram (a maioria delas). Mais do que fé e direitos, a razão exigiu "deveres". Mas este novo momento, não extinguiu a necessidade de líderes, que lhe dissessem o que fazer e que "cuidassem" de seus passos. No entanto, descentralizamos a regência de um único indivíduo, que tomava todos por iguais, para o surgimento de vários líderes, que pudessem atender a tantas diferenças. Horizontalizamos e setorizamos a liderança, antes vertical e unificada.

Hoje temos líderes na Política, nas Religiões, em uma banda musical, no futebol às redes sociais. Nunca esteve tão em voga a expressão "seguidores". A realeza evaporou, mas o séquito segue.
Quanto menor a capacidade de uma pessoa se auto-liderar, seguirá com mais avidez aquele que considerar apto a tomar as suas rédeas. Nele depositará suas escolhas, suas certezas, suas verdades, tirando de si a responsabilidade de fazê-lo, desde que cumpra com os mínimos deveres a eles atribuídos.

E como Maquiavel alertou sobre príncipes e regentes..."Os fins justificam os meios" ou de outra forma poderíamos pensar..."a causa será sempre maior do que os fatos"...Seja para perdoar ou não enxergar "pequenos/grandes" equívocos como: roubar na política, desde que não abandone o propósito maior de um partido; as piores declarações de um artista, desde que continue a deslumbrar com sua arte; o uso indevido da fé como instrumento de manipulação, desde que siga pregando ideais superiores; qualquer benefício inapropriado desde que beneficie o time que torce;

O extremo de uma confiança cega será o fanatismo, no qual, o indivíduo se anulará para ser liderado a qualquer custo. Neste caso, não aceitará qualquer contrariedade a sua causa, pois nela reside a própria existência.

Mas deixando extremos de lado e retomando a regência de nós mesmos, não somos o que ou quem acreditamos, mas o que acreditamos faz parte de quem estamos! Estar é uma condição temporária, corroborada por um conjunto de informações que nos cerca em um instante. Nada na vida é permanente e nós também não somos. Mudar faz parte da natureza. Apenas a essência e o ser são permanentes. E o ser passa por várias estadias durante sua existência.

Liderar a si mesmo, não é se apegar a posturas e, orgulhosamente, não querer mudá-las. Liderar a si mesmo é a capacidade de discernir sobre tudo que lhe é apresentado, sem distinções; Ser responsável pelos deveres e direitos que lhe cabe, sejam méritos ou equívocos, sem que alguém precise lhe apontar e antes de tudo, se conhecer. Lidere seus próprios passos.
Conheça todo mundo que vive, viva todo mundo que conhece

Um dia de inverno


A eventual tristeza que me habita
Cogita não explicar o seu pesar
Apesar de não calar as sombras
Sobras que escurecem o olhar

Se tudo em mim é intenso
Tenso também é o sofrer
Só crer em algo alivia
Ali via a espera do viver

Conviver é preciso
Indeciso, acato ser só
O pó que bato e persiste
Insiste nos passos sem dó

Nas palavras me redimo
Inclino o melhor que em mim há
Lá nas linhas que vivo
Apenas amor posso dar

(Des)acertos


Sou um poeta errante
Errando em meu poetar
Me asfixio de palavras
Palavras que não consigo fixar

Minhas virgulas não são precisas
Preciso escrever sem pausar
As vezes, faltam pontos
Pontuo a dificuldade de finalizar

Quando faço prosa
Me sinto livre, sem rimar
Mas quando rimo
Fico preso a música que há

Porque em mim nasce pronto
Pronto! Assumo um parto sem pesar
Apesar de achar que sem arte
Viver no mundo não dá

Em um mundo dividido


O índio acusa o branco
O branco aponta o negro
O negro ofende a mulher
A mulher critica o homem
O homem se exaspera com o gay
O gay culpa a religião
A religião condena a ideologia
A ideologia forma um partido
O partido se degladia com outro
E o outro é sempre alguém que não é você

Em um mundo unido...
Apesar de todas as diferenças
Somos, simplesmente, humanos

A covardia


A covardia nasce de uma alma vazia
Que insegura, se assegura da própria corrupção
Falta-lhe empatia e vive a apatia de princípios
Pronto para empurrar qualquer um ao precipício
(Sua vida está sempre em primeiro lugar)
Não se apieda por alguém, senão por si mesmo
Disposição para fugir e fingir uma posição
Não entende responsabilidade
Assina sua instabilidade
Volúvel... para si tudo é viável
Se vitimiza, enquanto faz as suas vítimas
Nada enfrenta de frente ou sozinho
É uma sombra sorrateira e oportunista
Como serpente derradeira e fatalista

Sonolência


Para onde vou? Não sei
Para onde fui? No amanhã, talvez
Os passos esparsos 
Perdidos no próprio encalço
Luto... dúbio...
Esforço ou morte?
Dedicação ou sorte?
Confuso no fuso
De quem tenta despertar...

O amor cura


Quantos infernos Dante enfrentou até Beatriz?
Com quantos moinhos Dom Quixote lutou por Dulcinéia?
Quantos impérios Menelau desafiaria pelo resgate de sua Helena?
Quantas guerras Napoleão enfrentou para retornar a Josefina?
Quão árdua travessia marinha Ulisses cruzou para rever o abraço de Penélope?
Qual morte seria pior para Romeu do que uma vida inteira sem Julieta?
Entre tantos desafios e dificuldades, perdas ou fatalidades, o amor sempre venceu...
Inspirou os poetas e através deles, virou inspiração...
O amor até estilo se tornou: romantismo. E antes que digam, que é um movimento antiquado, moda do final do século XVIII...Nunca foi tão contemporâneo...nos pedidos inusitados de casamento, na literatura...
Pois o amor, como a vida, se reinventa, se contextualiza em constantes upgrades!
É o sentimento mais instintivo do homem, nascido antes mesmo da palavra! Aliás ousaria dizer que está acima dos sentidos... É o sétimo sentido!
E se me acha piegas por dizer tudo isso, seja pela descrença provocada por feridas ou por considerar fantasia de antigas idealizações....Acredite que a magia, por muito tempo na história, foi medicina....A descrença de hoje foi a cura de ontem! Cure-se e ame! Ou ame para se curar!

O novo milênio

O mundo assume o retrô, quando a presente cultura não sabe para onde ir. Na virada do milênio, havia uma grande expectativa para a chegada de um futuro, que não aconteceu como esperado. Apesar dos grandes avanços tecnológicos, a criatividade seguiu analógica, sem criar novas tendências, estilos ou direções, mas misturando tudo que já havia e buscando referências na releitura do que se extinguiu. Nosso estilo atual está na falta de um estilo definido.

O novo milênio é um período de abertura das diversidades, de interiorização ou melhor aceitação sobre questões antes marginalizadas.

É o início de um século que busca a identidade pessoal e coletiva. Um século da popularização da depressão. Afinal, para voar, antes a lagarta precisa descobrir que tem asas e se fecha em seu casulo.

A era das fotos, que tudo precisa ser registrado, com receio do esquecimento ou da perda de uma parte de quem se é...



É um período marcado pela ditadura da felicidade, que elevou o padrão das expectativas... Acontecimentos comuns cotidianos, sempre devem aparentar ser um grande evento marcante e inesquecível! Neste processo, corroborando com a depressão de quem não é capaz de acompanhar esta exigência acelerada!

É o momento de políticas afirmativas, que embora busque a integração às diferentes classes, raças e gêneros, esquece da singularidade que nos é peculiar...da nossa humanidade com erros e acertos, que está acima de classificações...acabando por nos setorizar em grupos divergentes e comprometendo o diálogo pela forma "correta e ideal" de pensar... Sem espontaneidade, individualidade e naturalidade...Segregando, isolando ou massificando formas de conduta.
Exacerbando as exaltações e intolerâncias, nesta tentativa de construir uma linguagem comum e universal...

A facilidade de viajar e a internet, por um lado, aproximou e dispersou as culturas, por outro, espalhou tanta informação, que ainda não sabemos bem o que fazer com todas elas...nos tornamos pequenos diante de um mundo tão vasto que descobrimos... Um mundo que vai além de nossa casa, nossa rua, nosso país...

Qual é o nosso lugar nesse novo mundo sem barreiras? Quem queremos ser com tantas possibilidades? É nesse ponto que estamos agora,...diante de um abismo, deslumbrados com o amplo horizonte e inseguros da nossa capacidade e vocação para voar...










Espelhos


A timidez 
Teme a tez

Disfarça a fala
Na farsa que cala

Intensa alma
Em tensa calma

Sorriso que guarda
Só isso que aguarda:

De ser notado!
Dizer o nó atado...

Entalado, relaxa
Em tal lado acha?

Solitário, por que assim?
Solidário, porquê é assim

Até o fim
Até um afim













Ser estranho


Não sou estranho, apenas não compartilho do mesmo olhar...
Vivemos no mesmo mundo, mas não somos todo mundo... Somos diferentes, diferentemente iguais...
E se ainda assim incomodo, por não espelhar o que gostaria de ver...
Não importa, sempre terá o seu próprio reflexo para apreciar, embora com ele, pouco tenha a trocar, além do que já se acostumou a ver...
Na verdade, sou estranho...Estranho suficiente para perceber que depois de falar tanto... Só falei comigo mesmo...

Politicamente Incorreto


Politicamente incorreto? Mas o que é mais incorreto que a política? A ditadura do que se pensa, dita a rebeldia do que não se pensa! A intolerância fala, enquanto se dá ouvidos a ela. Não é o que diz que importa, mas como se ouve...

Há dias

Há dias que ouvimos nossas incertezas

Crendo que sombras são a realidade ou a realidade é feita de sombras

Enxergamos as mãos vazias e o vazio é maior do que cabe nas mãos

Os olhos perdidos não vão além dos próprios olhos

As lágrimas ofuscam e ofuscados, nos afogam

Há dias que o passado, nos passa

Hipóteses de decisões não tomadas, tomadas em um momento de indecisão


O futuro não se propaga e paga o preço que o momento mandar

Nestes dias que a alma imerge em outonos de folhas caídas

Devemos parar para respirar e respirar até que tudo pare

Não é o mundo que está rodando
Estamos rodando no mesmo lugar

Aprisionados no vício de idéias
Viciadas em não mudar

Além de acreditar, é preciso acreditar no Além

Nem tudo que se vê, é e nem tudo que é, se vê

Há dias que precisamos nos vencer, vencer o que precisamos

Mesmo que tudo diga o contrário, nos cabe contrariar o que se diz

Sem se importar com o que vai dar,
Dando valor apenas ao que importa

E se nada disso adiantar, apenas se adiante

Nada nos cabe além de esperar e esperar com a certeza, que nunca acabará em nada





O personagem


Gerimos dentro de nós. Alimentamos no ventre de nossos mais profundos pensamentos, uma vida. Diferente de nós, mas parte de nós. Emprestamos nossas experiências, vivências e observações. Mas assim como um filho, assume vida própria e tem sua própria personalidade, moldada pelas oportunidades. O roteiro o define ou sua natureza induz o roteiro?
Como um filho o amamos e nos projetamos nos mesmos..."perdoamos suas faltas" e vibramos com seu amadurecimento. Acompanhamos o seu crescimento dos primeiros passos a sua derradeira definição.
Assistimos ganharem o mundo, assumirem diferentes trejeitos e rostos, de acordo com a forma que cada leitor, que "convive" com ele, encara. Neste processo, já são independentes de nós e ao escritor, só resta a saudade das primeiras linhas, quando o personagem ainda era um rascunho de quem viria a ser.

Um diálogo de estilo


Florbela Espanca desabafa:
Sou errante no mundo
Esperando ancorar
Em um amor profundo...
Caros poetas, o que podem me falar?

Augusto dos Anjos retruca:
Ah! Vocifera a verborragia que chama de amor
Enquanto sonha, a vida não se apieda
E escarra sua dor
Desperta mulher, melhor tempo dedicaria como asceta

Fernando Pessoa tenta contemporizar:
Calma! Que segredos trazem convosco?
Mas convosco não permitais segredar?
Nele sangram lágrimas que esgrimam
Nela choram rimas que não pode suportar

Carlos Drummond timidamente brinca:
Enquanto Espanca busca seus Anjos
Augusto se defende com uma Flor
Em cada Fernando, há muitas pessoas
E em cada Pessoa, pelo menos um Carlos há

Florbela Espanca murmura encantada:
Felizmente, havia um Drummond no meio do caminho...

E ele, assim, "coralinamente", corou...
Os outros, neste momento, não mais prestavam atenção

Entre pontos


Há quem entre em nossas vidas por alguns minutos...alguns dias...uma vida inteira...

Há quem a modifique no pouco tempo presente e quem não conhecemos, mesmo vivendo ao lado por anos!

Há ausentes que não esquecemos e presenças quase esquecidas!

Há palavras não ditas que muito expressam e outras faladas que nada significam!

Há lágrimas de alegria e sorrisos que mascaram tristezas!

Há quem estenda as mãos, esperando reconhecimento e quem seja reconhecido em ações silenciosas.

Há muitas perguntas sem resposta e respostas dadas sem que nada tenha sido perguntado.

Há vidas que viram histórias e histórias simples de vidas!

Entre o que há e o que não há, está você, tentando se achar!

As vezes, basta...


As vezes, basta uma mão
Não antecipar um "não"
As vezes, bastam silenciosos abraços
Para se recuperar os laços

As vezes, basta viver
Para tirar dúvidas sobre o que se vê
As vezes, bastam lágrimas rolar
Para que possa entrar um novo ar

As vezes, basta a simplicidade
Sorrir para a felicidade
As vezes, basta ter calma
Para que o tempo fale a alma

As vezes, basta esperar
Aceitar aquilo contra o qual não se pode lutar
As vezes, basta acreditar
Para que tudo envolta comece a mudar

As vezes, basta um movimento
Para valorizar um momento
As vezes, simplesmente, basta...
Sem justificar...

domingo, 20 de novembro de 2016

A complexa relação com uma aranha


Todo dia, entrava no banheiro e lá estava ela: uma aranha. Percebíamos, reciprocamente, um ao outro. Bastava abrir a porta e logo ela tecia sua teia e desaparecia por um pequeno orifício sob o parapeito da janela.

No inicio, não dei importância. "Foi apenas uma coincidência, em poucos dias, ela sumirá dali" - pensei.

Mas após uma semana, repetíamos nosso ritual: sentíamos a presença um do outro.. Eu tentava, inutilmente, ignorá-la e ela,
rapidamente, tentava, instintivamente, se ocultar. No entanto, a repetição, em algum momento, vira uma complicação. Comecei a achar que deveria fazer alguma coisa a respeito, mas sem coragem de investir contra aquela frágil vida.

Tentei usar religiões para justificar minha apatia. "Estarei impedindo a evolução espiritual de um ser vivo", ou na pior das
hipóteses: "eliminando algum antepassado, que usou àquela reencarnação para progredir" (Achava pouco provável, mas precisava de fortes argumentos). Cheguei a pensar, que como "aranhas existenciais", Deus também deve ficar tentado a nos remover de nossos pequenos recônditos.

Pensei, filosoficamente, sobre "A metamorfose" de Kafka e toda a estranheza, que eu poderia causar à alguém, se fosse aquela aranha.

Ou até, biologicamente, nos benefícios de se ter uma aranha, como a eliminação de mosquitos e outros insetos menores, como
traças.

Pensei na seleção natural darwiniana, afinal eu era um mamífero e racional, estaria um pouco acima de sua escala, para determinar qual deveria ser seu destino. Até mesmo Newton, veio em meu apoio, com sua teoria de que "dois corpos não podem coexistir no mesmo espaço".

Artisticamente, comparei nossas semelhanças, eu com minhas mandalas e ela com suas teias. Ambas radiais e detalhadas...

Por fim, assumi a postura mais covarde, avisei a faxineira: "Por favor, quando limpar o banheiro, poderia remover uma aranha, que está ali?"
Assim, ela faria o trabalho sujo de removê-la e dividiríamos a "culpa". Mas, certamente, ela deve ter eliminado outra aranha, porque ela continuava ali, quando entrei à noite.

Retomamos nosso ritual, que neste momento, já havia se tornado uma guerra fria e hostil. Fazia alguns barulhos para espantá-la e ela por sua vez, perdeu o medo de mim e se impunha no ambiente.

Enfim, assumi minha irracionalidade e anulando qualquer pensamento benevolente, em um golpe único impiedoso, eliminei-a. Hoje, abro a porta e sinto um certo vazio ao olhar aquele local. Por algumas semanas, dividimos o mesmo espaço.

Quando percebi, ela havia reaparecido, desta vez, ocupando minhas memórias, páginas, minhas linhas...Me obrigando, no fim, a tecer estas palavras.

A utopia



Quando criança, imaginava que o futuro seria como o desenho animado "Os Jetsons". Esteiras automáticas pela casa, carros voadores, robôs,...
          Efetivamente, evoluímos muito tecnologicamente. Em muitos pontos, até mesmo nos assemelhando aquela realidade. Não voamos, mas estamos conectados a tudo e a todos. E apesar de tantos avanços "técnicos", o mundo ainda vive atrasos "passados".

          As tribos africanas,ainda quase pré-históricas, lutando pela sobrevivência...
          As cruzadas medievais no Oriente Médio, usando a fé, para conquistas territoriais...
          A máquina industrial sobrepondo a condição humana. Trabalhos árduos e exploratórios, consumindo o homem e a natureza sem preocupação.
          Sistemas políticos, rememorando o "pão e circo" romano, as monarquias e o Estado "Paternalista", cuja sede de poder se
sobressai e ilude as reais necessidades do povo.
          As mortes banais, refletindo os antigos duelos, enterram vidas a cada esquina.
          Doenças assolando as massas, como as pragas e pestes incompreensíveis.

          O mundo, de fato, mudou. Trocou os espartilhos por calças jeans. As ceroulas por cuecas samba-canção. Trocou a música clássica pelo funk e as perucas por tintas no cabelo. A forma está diferente, mas o conteúdo, ainda carrega as antigas tradições.
          Deixamos para trás, os filmes mudos e em preto e branco, para abrir os jornais e nos depararmos com tristes notícias sem cor e que nos leva a calar.
          Hoje, concluo, que a beleza daquele desenho animado, não estava somente na fantasia, mas na possibilidade de sermos melhores, sermos uma "família", que convive com suas diferenças e dificuldades com união. Hoje, adulto, é o futuro que sonho.

Solitários Anônimos


Existe narcóticos anônimos, alcoólicos anônimos, jogadores anônimos, neuróticos anônimos, etc..etc..etc... Mas pesquisei muito e não achei nada sobre "Solitários Anônimos"...Sendo que a solidão, me parece ser uma grande chaga desta sociedade contemporânea.... Em função disso, criei a minha própria versão deste grupo anônimo.
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Um mundo com tanta gente e você consegue a proeza de se sentir só?
Deslocado no tempo e espaço, perdido dentro da ilha que existe em você mesmo?
De todas as dores e doenças do mundo, nenhuma é tão profunda quanto a solidão...
Afinal, podemos estar doentes e sem dinheiro, mas com companhia, tudo parecerá mais suave, será?
O mais difícil de se sentir só é o contra-senso de se fazer só, ou seja, mesmo querendo companhia, nos isolamos.
A solidão é um ato (in)voluntário e íntimo, não depende de fatores unicamente externos. Quando não conseguir estar presente em sua vida, certamente, se sentirá só. Assim, no fim, a ausência não é de pessoas, mas de si mesmo.
Assim, eis o nosso mantra: "não estamos sozinhos, temos a nós mesmos por mais 24 horas"

Os 12 passos:
-Admitamos que não somos impotentes contra a solidão.
-Manter a sanidade e a confiança em si mesmo como um Poder Superior
-A vontade de existir e de ter um objetivo, recria o universo ao nosso redor.
-Auto-conhecimento é sempre bom, mas que existe um mundo fora, além do interior.
-Expressar o que sente e exteriorizar emoções auxilia a sensação de "fazer parte"
-A auto censura é uma prisão e tudo que repetimos, vira a nossa verdade
-Buscar defeitos nas pessoas e nas situações é uma fuga para não ter de encará-las. Sabotando as possibilidades
-ter a coragem de procurar as pessoas, nem que seja simplesmente para saber como elas estão. A consciência que o outro existe além de nós mesmos.
-Lutar contra a apatia, fazendo o possível. Sem movimento, tudo é estagnação.
-Admitir que a solidão é uma dependência e que só há cura na aceitação desta verdade
-modificarmos todos os pensamentos impostos e repetidos, criando novos que os substituam. Substituindo negações por afirmações e dúvidas por certezas. Como um mantra e uma reprogramação mental
-Tendo experimentado todos estes passos, utilizar a experiência para auxiliar outros que assim se sintam.

Faces da mesma moeda


Hoje estou aqui e amanhã onde estarei?
Certamente, escrevendo histórias que não planejei
E os planos? Nem sempre serão histórias, que escreverei
Desejamos tantos planos que mudamos
E mudamos por tantos planos que não desejamos
Conhecemos pessoas que não esperamos
E esperamos por pessoas que o tempo nos leva a desconhecer
Coisas que não importavam, agora são imprescindíveis
E as vezes, é imprescindível não se importar
Vivências viraram lembranças
E as vezes, lembramos do que não vivemos
Erramos por falta de compreensão
Mas compreendemos o erro da falta
Quantas vezes nos perdemos tentando encontrar
E nos encontramos, enquanto perdidos
No fim, acreditamos que vale esperar
E esperamos acreditar até o fim

Pessoas que se importam demais


Todos sentimos e nos importamos... Embora sentir e importar sejam experiências e intensidades únicas de cada um...
Até porque o que importa para Um pode não ter a mesma importância para outro...Assim como as coisas que tocam a sensibilidade de alguém, podem simplesmente ser insensíveis para outros...
Mas dentro de milhares, sempre há alguns que importar se sobressai ao que se espera...E que mesmo fatos e situações sem importância aparente, importem significativamente.
Sempre fui deste time. Daqueles que se permitem encantar com detalhes perdidos pelo caminho...Diria que tenho um olhar "insatisfeito", pois nunca me conformo com o que vejo, ou melhor, nunca é suficiente. Atrás de cada imagem, vejo uma história e por consequência, sou sempre transportado para ela. Desde a folha desprendida da árvore que é levada sem direção... Sem que saibamos a origem ou o destino final... Ao indigente na rua que como eu e você, também foram crianças um dia...até que oportunidades ou a falta dela, deixaram-os ali abandonados ao chão...
Não é um movimento simples, como tudo que é demais! O excesso é perturbador e desconcertante. Ainda mais quando se é homem! Ainda vivemos em um mundo que homens e emoções, por vezes, se estranham. "Homem não chora". Bem, confesso que chorei muito até aqui, o que não me fez menos homem. Disfarcei muitas vezes com um meio sorriso, sem com isso eliminar o que sentia. Não apenas lágrimas de tristeza, mas muitas vezes pelo que me toca, o que é um problema, quando tudo me toca! "Let it be"(deixa estar, deixa para lá)... Confesso que sempre tentei, mas sentir não é uma escolha, mas uma condição. Não sentimos porque queremos, mas porque precisamos! Precisamos na vida de sentidos! Não falo dos 5 sentidos somente, mas de (e)motivos ou motiv(ações).
Importar é uma ação! E não é passiva, como comumente se pensa. Afinal, é impossível sentir, sem se colocar no lugar!
Se como eu, se importa demais, não se preocupe, não está só, como algumas vezes se sentirá. Não ser compreendido, as vezes, nos faz sentir como náufragos em uma ilha, longe da civilização. Mas como todos, sua visão do mundo é única. Não precisa de cura, mas de abertura e de fluidez, sem represar... Para que os pratos da balança se equilibrem. Mas  se não se importa com nada disso, não se preocupe... Basta deixar para lá!
No final, as coisas têm a importância que damos a elas!

A máquina do EU



A vida seria bem mais fácil se fosse computadorizada, ou melhor, se pudéssemos importar para dentro de nós um computador! Calma, eu explico!

Já pensou se houvesse um botão "delete" para fatos e acontecimentos?
Um "photoshop" para mudar a forma de ver o mundo?

Um "google" que esclarecesse nossas dúvidas íntimas e nos desse soluções práticas para questões cotidianas e pessoais?

Um "GPS" para que nunca ficássemos perdidos em nós mesmos e sempre soubéssemos a direção a seguir?

Um "ctrl+alt+del" para aquelas situações que sofremos um "fatal error" e paralisamos?

Um "upgrade" nos sentimentos e pensamentos desatualizados?

Se tivesse um botão "reiniciar" para recomeçar uma experiência?

Um "facebook" que traduzisse quem somos por dentro e que isso ficasse transparente para quem nos visse?

Um "Power Point" para que nossas recordações fossem nítidas e pudessem ser revividas?

Uma "nuvem" para que nada dentro de nós se perdesse e fosse armazenado com fidelidade à informação?

Um "anti-vírus" que combatesse eventuais tristezas, mágoas e ataques oportunistas sentimentais?

Um "mercado livre" que encontrássemos tudo que precisamos e sentimos falta e fôssemos alertados para não perder as melhores oportunidades que surgem?

Um "caps lock" para colocar em evidência o que há de melhor em nós?
Uma "media player" para que pudéssemos musicar nossa vida de acordo com os momentos?

Bem, precisamos nos contentar, pois talvez não possamos inserir novos "softwares" dentro de nós, mas podemos mudar nossa programação interior para uma "física quântica" da alma.

Abdução


Acho que fui abduzido
Para um lugar difícil de ser traduzido
Levado para um mundo paralelo
Uma realidade de frágil elo

Amizades são desfeitas por opiniões
Não se pode ouvir senões
Casamentos duram 5 meses
E os pais veem os filhos as vezes

Amor é sempre passageiro
E criança resolve tudo no berreiro
Não há mais tolerância
Qualquer coisa é motivo de ignorância

Os bandidos assumiram o congresso
E gente honesta é sinal de regresso
Educação e saúde já não importam
Corrupção e interesse em tudo aportam

Ninguém mais quer ser anônimo
Fama e honra são um sinônimo
Fotos valem mais que fatos
Ninguém responde mais pelos seus atos

Atrocidades em nome de Deus
Não se preocupa mais com os seus
Violência estampa os jornais
E todos se sentem os "tais"

A televisão é sensacionalista
E todo espectador é um especialista
Sexo agora é casual
E o descaso é banal

Um mosquito mata milhões
Alergias viraram grilhões
O corpo é muito venerado
Espírito é um fardo tolerado





Desalinho



Não serei futuro, nem fui passado
Sou presente como uma chama
Que queima e se apaga em um mesmo momento
Tornando às cinzas que qualquer vento leva

Não sou lembrança, nem sonho
Sou a realidade de um instante
Que dura um piscar de olhos
Existo entre intervalos

Não sou sombra, nem realidade
Sou abstração que não segue regras
Modifico o sentido
Mesmo sem fazer sentido

Não sou corpo, nem alma
Sou uma mente
Que mente acreditando ser corpo
E um corpo que desmente ao mostrar que existo como alma

Não sou riso, nem lágrimas
Ainda que por dentro chore quando sorrio
E muitas vezes, ria de coisas pelas quais chorei

Não sou definido, ainda que tenha limitações
Meus limites se redefinem
Sem encontrar um limite

Não sou constante, nem impermanente
Mas permaneço constante
Em minha impermanência

Não sou fim, nem início
Pois sempre recomeço, quando tudo termina
E termino o que comecei

Dia da Poesia


A poesia nasce de mim ou eu nasci da poesia?
Do encanto de ouvir e entender as palavras pela primeira vez à surpresa de reinventar o sentido e a ordem como se apresentam...
De fato, acho que todos somos poetas, uns ainda aprisionados....Guardam suas metáforas e significações para si mesmos... Outros, já não conseguem mais contê-las em si e despejam como uma represa que foi aberta...
E neste fluxo, escorrem não apenas vivências e emoções íntimas, mas emergem todos os personagens interiores! Na poesia não há regras, nem leis...é um território livre de experimentações! Não há profano e sagrado... Nela tudo existe, consiste, emite e se expressa...A poesia quando lançada, já não nos pertence...Assume vida própria e é interpretada conforme o olhar que a lê ou sente...
Muitos dizem se perguntados: "não sou poeta". Mas a poesia é o encantamento, que torna algo ou uma situação comum em uma experiência única... Quantas vezes, uma flor se destacou de todas as outras? Olhou para o céu e encontrou uma figura desenhada nas nuvens? Quis narrar ou desabafar um dia difícil ou diferente dos outros?
A poesia é a arte do encantamento... Do deleite! Do transbordamento! Da intensidade!
Logo, a partir de agora, mesmo que não possa ou consiga escrever...Verá que todo dia guarda uma passagem única (Rotina não é repetição, repetição é a forma de olhar a rotina)...Seja na cama, na rua ou dentro de si...Na tristeza ou na alegria, na doença ou na saúde, até que a poesia me separe!

Quem sou eu?


Não sou o que você pensa que eu sou....
Não porque eu minta...
Mas porque dentro de mim não cabe apenas uma alma...
Não sou só, mas uma multidão..

Sou eterno e já existia, antes que nos conhecêssemos...
Sou etéreo e meu corpo é pesado demais para transparecer toda a sensibilidade que habita em meu ser...
Rótulos não me aderem, porque constantemente mudo a fórmula de meu existir
Logo, qualquer definição é uma forma simples de abordar a minha complexidade

Não sou da terra, sou universal...
Sou mais do que átomos aglomerados, sou energia condensada
Quando choro, não é por fraqueza, mas porque tudo em mim é amor...
Um amor tão grande que não comporto nesse espaço pequeno emocional
Minhas lágrimas, aliviam a tensão de represar o que sinto
Meu sorriso é justamente, quando me deixo inundar e afogar por estes sentimentos

Não sou o que falo, mas minhas palavras são parte de quem sou
Afinal, mesmo em silêncio, minha alma nunca cala
Não sou o que faço, pois mesmo parado, nunca estou no mesmo lugar
Dentro de mim, mil mundos habitam em uma galáxia particular
Não sou o que tenho. Aliás, pouco tenho. Porque tudo que toco é por empréstimo e carregarei bem pouco, quando precisar partir.

Não sou fagulhas, mas o fogo e a natureza que as gera.
Sou um ser criado e uma criatura que cria. Sou o que imagino ser e vejo minhas escolhas como uma tela em branco que espera ser preenchida.
Enfim, se quiser saber quem sou, não basta que me leia...Nem que use a imaginação...
É preciso a autoria que assina em mim a lembrança perpetua...Sou uma obra aberta e contínua
Vivo através de você, como você vive em mim..

Memórias


Perdemos milhares de memórias e nos fixamos em tão poucas...
Esquecemos o engatinhar, os passos dados até que chegássemos em algum lugar...Criando raízes com as pernas que hoje seguem o mesmo trajeto todos os dias.

Esquecemos a inocência e a delicadeza de tantas descobertas e nos cristalizamos em alguns resultados (eventualmente infelizes). Deixando de lado tantos sonhos para um instante de realidade.

Resumimos anos ao lado de alguém em segundos... E todo o amor construído e as conquistas até aqui se perdem no ruminar de uma partida, uma morte ou separação.

Presos em poucas lembranças, recordamos um passado incompleto e não vemos as infinitas possibilidades de um presente que se revela. E quando despertamos, o presente também se tornou passado.

Somos essa colcha de retalhos ou um quebra-cabeça, que a falta de uma parte resulta numa expressão incompleta do que somos ou poderíamos ser! Não somos uma peça ou parte, ainda que frequentemente , nossas lembranças nos limitem a isso.

A ausência vive no esquecimento, que sejamos presentes e inteiros nas memórias.

Ideologias



Vemos aterrorizados o crescimento do Estado Islâmico, como uma realidade distante e despropositada, no entanto, o mundo vive um período crítico de ideologias...

Ideologias que não respeitam a opinião alheia, respondendo com ironias, que beiram a agressividade.

Pensamentos que se julgam superiores ou "mais corretos" e vilipendiam toda e qualquer ideia que os contrarie, sem conhecimento a fundo da cultura que atacam.

Ideais se sobrepõe a qualquer norma mínima de boa convivência, como as quase extintas gentilezas e educação. Assim, em nome de um "bem maior", se eximem dos próprios erros e imperfeições.

Vivemos um momento de intolerância extrema de pequenas doses diárias a grandes radicalismos.

Voltaire, grande pensador, asseverou: "Posso não concordar com uma palavra que diga, mas defenderei até a morte, o direito de dizer." Bons tempos, que a argumentação não se propunha a uma imposição.

Hoje, certamente, o pensamento é: Se não concordar com uma palavra que disser, defenderei o direito da sua morte para que nada mais diga....

Medos


Tantos medos habitam os homens...

Medo sensato
Ou do próprio ato

Medo do presente
Ou de se tornar ausente

Medo de perder
Ou de se arrepender

Medo do escuro
Ou de não ter cura

Medo improvável
Ou de não ser viável

Medo da solidão
Ou de não ter ação

Medo da dor
Ou de não ter um amor

Medo de ser esquecido
Ou em casos mais sérios, de ter nascido

Medo da incompreensão
Ou de mera pressão

Medo de não ter razão
Ou simplesmente ouvir um não

Medo de se expor
Ou quando necessário, se opor

Medo de tentar explicar ao inconsciente
Que tudo que se sente, nos faz ciente

É preciso enfrentar
Para o medo nos deixar...

Novo ano


Quantas ondas precisamos pular para ver os sonhos realizados?

A vida é como ondas em ciclos de altos e baixos a serem transpostos. Saltar a onda também é uma chance de não sermos arrastados por elas.

Aliás a água representa a vida, a fluidez, a sinuosidade e os diferentes movimentos.

Lançar um barco a Iemanjá, rememorando as antigas oferendas a Marduk, na Mesopotâmia, celebra as férteis e boas colheitas, aguardando que assim tudo continue. Através das crenças, persistimos e esperamos, não apenas no que depende de nós, mas o que não depende também.

Mas para "garantir",  melhor comer o Romã e guardar as sementes. Em períodos de fome, quem tem sementes tem alguma garantia de sobrevivência. Qual fome é maior que a esperança? Sem ela vivemos a inanição da alma...

E se ainda sentir que falta algo? Se vista de verde, amarelo, branco, vermelho ou azul... Precisamos dos símbolos e dos rituais, não pelo significado que eles tem, mas o que queremos e precisamos que eles representem em nosso cotidiano.

Recobrar as forças que um ano nos levou, bater a poeira das quedas que tivemos, recuperar a fé que tudo é algo além de um momento e que cada instante precisa ser celebrado, porque tudo é breve demais. Um brinde de paz e saúde, com isso, todo o resto é possível!

Entre a vida e a morte


Tanto tememos o mistério da morte, mas morremos mais em vida...

Quando desacreditamos nos sonhos e só aceitamos o que pode ser racionalizado
Quando não valorizamos quem somos, o que fazemos e o que temos
Quando não assumimos nossas fragilidades e fugimos do que precisamos enfrentar
Quando doamos nosso melhor para quem não valoriza
Quando deixamos que a dor nos escravize na amargura
Quando não nos perdoamos e nos alimentamos da culpa
Quando somos inflexíveis, rígidos com as situações...
Quando não estimulamos nossa criatividade, nos repetindo em rotina
Quando nos vitimamos, sem esforço de mudar ou assumir as responsabilidades pelos atos

Porque tememos o amanhã se tudo está acontecendo neste instante?

Se a morte for um sonho eterno, que bom é repousar após uma longa jornada
Se a morte for um reencontro de almas, que bom nos reunir com aqueles que partiram e nunca conseguimos esquecer
Se a morte for a dissolução, que bom nos integrar e fazer parte do todo, nos multiplicando como constelações

De todas as mortes, apenas a que ocorre na vida é sofrimento... Que descerremos os olhos e vivamos mais. A liberdade começa aqui e agora, todo resto é crença ou especulação

Karma


Karma é a flecha que atira
Lançada em uma direção
É a arma e a brecha da mira
Buscada de acordo com a ação

Resultados variáveis
Não há castigo ou punição
Aprendizados viáveis
Apenas retiro ou lição

A trilha se estende
Não cabe em uma só vida
Para o brilho que entende
Que não acabe na ida ou vinda

A alma é imortal
Em um corpo emprestado
Uma chama universal
Um adorno esperado

O mundo é mutação
Situação impermanente
Profunda evolução
Na atuação imanente

Pense como uma escola
Tudo é teste e renovação
Lembre que não vale cola
Nisso ateste a repetição

Lacuna


Me sinto parte de uma parte
Um mosaico de pedaços
Um quebra-cabeça incompleto
Um patchwork de retalhos

Me sinto a carta de um baralho
Estudado e embaralhado
Nas mãos que se preparam
Não me encaixo na jogada

Sou uma peça em um tabuleiro
Esperando que me peça
Que me impeça o impulso
E não se despeça, fique

A forja


Somos filhos duplamente do amor: entre corpos recebemos a matéria e do êxtase do universo, a alma é criada e existimos.
Sendo forjado deste fogo, como poderíamos negar esta natureza? Tudo que não amamos, vira dor.
O amor tudo compreende, mesmo sem nenhuma palavra. Porque ele não precisa ser racionalizado, apenas sentido. E é um sentimento íntimo e intransferível. Como uma expressão artística que cada um vê e manifesta de forma única, como um estilo ou assinatura particular.
Há quem diante do sofrimento, diga: "Não amarei mais ninguém". De fato, pode-se negar alguém, mas nunca a si mesmo(a). Não manifestar, não anulará o sentir, pois ainda que não viva para amar, amará para viver.
Amor é a força mais intrínseca que possuímos, através dele nos reconhecemos divinos. Assim como criados, passamos a posição de co-criadores, seja nas relações ou ao gerarmos uma nova vida.
Aprendendo a amar UM, exercitamos o amar TODOS. Porque todos estão em UM e UM está em todos

Clonagem

   

      Os clones caminharam lado a lado de mãos dadas. Um pouco constrangidos, olhavam um para o outro de soslaio, admirando suas semelhanças. Esboçaram falar e as palavras saíram ao mesmo tempo, numa sincronia surpreendente.
     Sentaram em uma mesa antes ocupada. Ela em um esforço grande, deitou a cabeça no ombro dele e ele ansioso, balançou a perna, desequilibrando-a e derramando sobre ele um copo parcialmente usado.
     Passada a falta de jeito que comprovava serem um o espelho do outro, ele perguntou:
- Se hipoteticamente a amasse, seria um amor narcísico?
- E ela respondeu: Acredito que não, porque embora criada de você, sou uma parte nova da sua natureza, que desconhece. Mas e se eu o fizesse? Seria reflexo dos sentimentos que sempre existiram em você?
- Também acho que não - continuou ele - pois embora tenha herdado as coisas que sinto, acredito que a forma como as manifeste é único como toda arte, que assume diferentes formas de acordo com quem as vê.
     Coraram... Não tinham muita habilidade nesta área que descobriam juntos e nisso eram exatamente iguais. Levantaram desconcertados e querendo sair do embaraço, pensaram em seguir o caminho.
Mas novamente pensaram ao mesmo tempo e na mesma direção. Se esbarraram e arrepiaram. A energia magnética que une criador e criatura.
     E sem entender ou tentar explicar o porquê se beijaram. Se amariam, embora no íntimo achassem que se amaram desde que eram parte um do outro. Naquele instante juntos, clonaram o amor.

O ser ou só ser?


Quanta solidão há no mundo...
Tão próximas e quase sem serem vistas...
No amigo que sorri ao seu lado, mas disfarça e sofre em silêncio...
No colega de profissão que trabalha incessantemente tentando esquecer seus vazios...
No parente que falta as reuniões familiares por não ser compreendido pelas suas opções de vida....
Das pessoas que encontra no dia a dia sem desconfiar que por trás de toda naturalidade, carregam histórias e dores profundas...
Amores perdidos, amizades desfeitas, mortes, partidas, falta de perdão  ou incompreensão...
O que cada um guarda e aguarda, só o ser saberá dizer...
Mas observe um olhar ou um jeito, antes de julgar...
Agradeça, ame, aceite, perdoe e dê à alguém a oportunidade de ser visto e falar...
Através do outro nos vemos refletidos e sem ele nos estranhamos por não conseguir enxergar...
O que e como somos de acordo com a situação que criamos ou deixamos passar...

Amor Sombrio


Uma homenagem aos poetas ultra-românticos (mal do século)

Uma lágrima de escuridão percorria e nela me afogava.
A vista enevoada, a voz calada em soluços, enquanto aguardava a morte, era amado pela vida.
Na ânsia que percorre as veias, sou escravo e prisioneiro seu.
Vejo a liberdade na janela de seus olhos, enquanto açoitado pela sua indiferença.
No rompante de tocar seu corpo, mas me enlaçar com sua sombra.
O seu melhor é o meu pior castigo.
Enquanto o partilha com outros, mendigo e rastejo as migalhas que deixa cair.
Lúgubre dor manifesto de um paraíso distante e ideal...
Mas é na paixão infernal que sinto, que me aterro, enterro e encerro aqui

Revelações


Escrevi meu amor em silêncio
Mas ele não se conteve e falou
Eu em pé na beira do abismo
E só percebi quando ele ecoou

As palavras voaram
Perdi o controle
E pelo espaço multiplicaram
Ajoelhei e corei

Ainda tentei segurá-las
E quanto mais as via afastando
Mais revelava o que queria esconder
Um sentimento entregue e despido

Chorei pela paixão liberta
E me virei quase partindo
Quando com as esperanças dispersas
Vi você linda chegando

O livro da vida


Sou o livro vivo escrito a cada dia
Minhas histórias nunca são as mesmas
Se metamorfoseiam de acordo com quem lê e de como sou lido
Minha capa nunca me revela, apenas convida
Minhas linhas são sinuosas e mudam a cada nova leitura
Profanando a casta rotina
Delineando a realidade que há na fantasia
Desafiando o senso comum
Desatinando a normalidade
No meu universo, tudo é entrega e intensidade
Emoções que transbordam a cada página
Muitas delas, em branco
Aguardando serem escritas
As vezes, deixando escorrer algumas lágrimas
Em outras, rindo até perder o ar
Se quer me conhecer, não tenha medo, me descubra
Só há um problema...Meus versos não tem fim.

A ponte


Separados por um rio, pela falta de um riso
Duas partes de uma margem, um aparte da imagem
Uma ponte que as liga, como o destino que não desliga
Uma cidade de cada lado, um cuidado ( embora distante) colado
Vidas sincronizadas, sonhos preconizados
Uma separação ilusória, duas almas que buscam casório
Um atravessar constante da rotina que não cessa até que a sorte passe e acesse o sonho que existe entre eu e você.

Cansaço

Cansado...

De mendigar atenção
De oferecer minha alma por um mero sorriso
De falar quando recebo silêncio
De dar minha melhor parte por uma amostra da sua

De doar meus sonhos
Para quem deles nunca fiz parte
De tentar fazer que me enxergue
Quando seus olhos por mim transpassam

De esmolar carinho
Quando só o vento me toca
De sentir tudo
Por você e eu

Desta ilusão
Construída como areia
Que quando seguro se desfaz
E que qualquer onda leva

De me importar
Sendo esquecido
E só ser lembrado
Quando já não me importa

Da solidão
Solitária ou à dois
Que bebe sem saciar
Esta sede de amar

De escrever...
De falar sobre os mesmos porquês
De tentar entender este abismo
Que me jogo e me faz renascer

Há cansaço...
O que acontece?
Só me leva embora
De um destino que não faz falta

Bi (ciclos)


Tentei fugir da tristeza de bicicleta
A cada giro das rodas era uma parte da vida que deixava pelo caminho
Pedalava com as forças que me faltavam sem nenhuma direção
Encarava a solidão, me integrando as paisagens e pessoas desconhecidas que passavam
Me sentia perdido, mas quanto mais longe ia, mais perto chegava de meu interior
Cada suor que escorria era uma gota de libertação
Abria os braços, largando o guidom, perdendo o controle e me deixando ser conduzido....
Acariciado pelo vento, esquecia o tempo e me reencontrava com minha alma, agora, imortal.

Desfragmentação


Tentei me apagar
Mas fui escrito com caneta
Deslizei a borracha quase até rasgar
Passei corretivo, mas fiquei transparente do avesso
Me rasurei, mas uma marca denunciava permanentemente minha existência
Removi o pedaço, mas ainda sem ele, no lixo permanecia
Então incinerei, mas as cinzas perpetuavam
Assim, soprei e ao invés de sumir, em mil partículas de pó, me multipliquei

E se...


Comumente escutamos e repetimos como um mantra, a expressão: "E se...". E se ele(a) não me ligar? E se eu perder o emprego? E se eu ficar sozinho? E se não conseguir fazer?

"E se..." é a hipótese que construímos e que antes de nos trazer uma solução, gera outras questões e ,consequentemente, novas ansiedades. Em um ciclo, quase infinito, que repetimos incessantemente a ponto da pergunta virar uma auto-afirmação.
Nessa transformação de interrogação a exclamação, nos perdemos em um labirinto de difícil solução.

Essa espontânea vontade de controlar as situações e a modelarmos, desacredita a nossa real capacidade de resolvê-las, conforme elas surjam. Não raro, todo este planejamento é mal sucedido, porque emprestamos a nossa própria angulação (incluindo nossos
medos e fragilidades).

Nisso, frente a outras variáveis: como pessoas diferentes de nós, oportunidades não ponderadas, continuidade do evento sem a nossa participação ... Tudo diverge do que foi imaginado, ou mesmo, como todo processo, assume por si mesmo a direção e se desenvolve e metamorfoseia ao longo do tempo.

Dizem popularmente: Que as respostas estão na própria pergunta.. Mas como conhecer a pergunta, antes que ela seja um fato? Diferente de equações e resoluções certas, a vida é um campo inexato de construção, na qual tudo é mutável e impermanente.

Acreditar que algo é definitivo, é assumir uma pré-apatia de que nada mais pode ser feito, quando milhares de instrumentos se apresentam a nossa frente.

Sejamos maleáveis e flexíveis como o bambu, que se curva com o vento, mas retorna a sua posição de origem ou como a água, que assume a forma do meio, que se encontra e diante de um obstáculo, contorna-o.

Abandonemos as convicções rígidas, a postura estática e as indagações despropositadas. Deixemos cada problema ao seu tempo, sem demandar a energia em pré-ocupações, poupando-a para as necessárias resoluções! Sem misturar o efetivo com o afetivo!

- "Comece fazendo o necessário, depois o que é possível, e de repente estará fazendo o impossível" (Francisco de Assis)