quarta-feira, 27 de maio de 2015

Viagem Conectada


"Digas o que teclas, que eu te direi quem és"

Os olhos, vidrados na tela, pareciam fazê-la alheia a realidade. Uma redoma protegida e estática como uma ilha virtual. Embora distanciada emocionalmente dos fatos que ocorriam ao redor, sem atentar-se a nenhum detalhe, não conseguia, nem se preocupava, em esconder suas reações. Ria, agitava a perna, contraía a face, demonstrava ansiedade, abrindo e fechando várias vezes os mesmos aplicativos. O corpo parecia inerte, mas a alma estava em pleno movimento, vagando por um universo infinito. 

Disfarçava a solidão do mundo, aproximando quem nunca foi tão próximo. Mais do que isso, criando laços e amizades intimas com as mesmas pessoas, que no dia a dia, mal conseguia encontrar. Conhecia em segundos, detalhes de inúmeras vidas, que quando ao lado vividas, não conhecia. Guardava e interagia com sua memória viva,todas aquelas pessoas, que por ironia, o destino havia levado para caminhos distantes, ainda que aparentassem estar diferentes do que era capaz de recordar.

Se apaixonava, as relações mais intensas, partilhando confissões, que seria incapaz de fazê-las, se seus olhos fossem desnudados.Se revelava mais entregue do que, possivelmente, se entregaria. 

Todas as distâncias pareciam superadas. Não apenas do mundo, que indo além do ir e vir de uma massante rotina, se estendia pelos recônditos mais inóspitos. Mas também da própria ignorância, que tendo todo o conhecimento nas mãos, parecia não mais existir.

Não percebeu uma pessoa em todo o trajeto, ainda que o seu roteiro virtual a tenha levado a auto-descobertas. Não viu uma árvore, ainda que tenha curtido toda uma floresta trilhada. Não deu um abraço, ainda que tenha recebido milhares através das palavras. Não admirou um animal, ainda que tenha compartilhado vídeos incríveis sobre os mesmos. Não leu um livro, embora tenha consultado uma biblioteca de milhões de e-books.Não viu o tempo passar, ainda que o dia tenha cedido
lugar a noite.

E em um simples esbarrão de um estranho, que mesmo não notado, esteve todo o tempo ao seu lado, sentiu como o despertar de um sonho. Tudo parecia lento outra vez...A percepção demorava a ajustar-se, tentando entender o que acontecia...
Guardou o celular e seguiu como se nada tivesse ocorrido...