domingo, 14 de março de 2021

Por uma fresta



"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura" - Nelson Rodrigues
Hoje, somos todos esse menino. E não digo pela pureza de quem descobre a magia pela primeira vez, mas porque ninguém mais abre a porta. Não apenas as portas das residências por medo de violência, mas as do coração pelo mesmo medo de ser machucado. Nos contentamos em espiar no escuro pela fechadura. Ouvir meias palavras abafadas em algum lugar, ditas por alguém que desconhecemos e assumimos que aquilo basta como verdade.
Porque entrar em um lugar exige tomar partido e ser parte de uma história.
Para que se fixar, se basta correr a tela?
É uma grande ilusão pensar, que a falta de envolvimento é segurança. Pois vemos um mundo cada vez mais murado, acuado e oprimido dentro de si e em suas celas virtuais (antes mesmo da pandemia) a tal ponto da agressividade se manifestar em uma mera opinião. Panelas de pressão prestes a explodir, cheias de ar, mas vazias de algo nutritivo.
Aquilo que não foi vivido é um boato, não sentimos na pele, mas antes, pegamos a pele de alguém emprestada e damos a nossa própria versão. E nessa inversão de valores, tudo vira aversão. O amor não sobrevive na aversão, porque ele é a nossa melhor versão!
No dito popular: “O amor não vai bater na sua porta” há um grande erro. O amor se anuncia diariamente em um grande barulho interior. Escutamos ele batendo, mas temos medo do que ele representa. Porque o amor nunca vem sozinho, ele traz junto a mudança! Ele nos tira do lugar comum, muda a forma de enxergar, mexe com nossas estruturas confortáveis, encaixota e doa o que não serve, mais do que tudo: ele escancara nossas portas não apenas para que ele possa entrar, mas para que nos abramos para o mundo.
Enquanto uns buscam a chave que perderam para abrir a porta e outros dizem que o amor foi
extraviado pelo caminho, ambos sofrem pelo medo de sofrer. Seguimos espiando uns aos outros, cada um do seu lado, esperando alguém tomar a iniciativa de entrar.

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